domingo, 11 de dezembro de 2011

A classe operária tem dois sexos

Elisabeth Souza-Lobo é uma pioneira dos estudos de gênero na esfera do trabalho no Brasil. Faleceu em 15 de março de 1991, vítima de um acidente de carro. Vinte anos após sua morte, a publicação de artigos inéditos e a reedição de outros torna-se uma homenagem, mas também uma iniciativa importante para as discussões de gênero que perpassam as relações trabalhistas. A divisão sexual do trabalho está presente até hoje. E, no caso das operárias, uma série de aspectos mostram que a hierarquia do masculino e do feminino continua ideologicamente ativa. Ao introduzir o conceito de gênero no trabalho, Elisabeth Lobo faz com que este seja um operador decisivo na construção da identidade e do acesso das mulheres à cidadania.
O livro ‘A classe operária tem dois sexos: trabalho, dominação e resistência’ é dividido em três partes. A primeira foca as práticas e discursos das operárias na década de 1970. A segunda lança um olhar sobre as perspectivas teóricas e metodológicas ao se estudar a questão de gênero no trabalho. E, a terceira trata dos movimentos sociais de mulheres. Na grande maioria das pesquisas, resultantes da produção acadêmica sobre trabalho, as mulheres eram invisíveis. Havia uma visão homogênea da classe trabalhadora, que ignorava a atividade feminina e as desigualdades de gênero. Os estudos pioneiros na área são realizados por Heleieth Safiotti (1934 – 2010) e Eva Blay (1937), mas é Elisabeth Lobo que irá realizar os primeiros enfoques comparativos entre o trabalho de mulheres e homens no artigo: Masculino e feminino na linha de montagem – divisão sexual do trabalho e controle social:
Ora, a determinação do “melhor trabalhador” significa também explicitar os critérios que diferenciam trabalhos de homens e trabalhos de mulheres na indústria. Mas a determinação do “sexo do trabalho” não se esgota no conteúdo diferente dos trabalhos realizados, mas em relações assimétricas no nível da hierarquia, da qualificação, da carreira ou do salário (Humphrey, 1984). Várias hipóteses surgem então na construção de uma problemática que dê conta não apenas da divisão do trabalho por sexo (divisão sexual do trabalho), mas das assimetrias contidas nessa divisão.
1. As hipóteses centradas na teoria do mercado de trabalho dual distinguem dois níveis de empregos: o dos empregos estáveis, com altos salários e estrutura de carreira bem definida, característicos das grandes empresas, e os empregos instáveis, sem carreira definida, característicos das pequenas empresas, onde se situam as mulheres (Humphrey, 1984).
2. As hipóteses centradas na diferenciação entre produção e reprodução partem da divisão sexual do trabalho instituído no nível da sociedade, que separa esfera produtiva-masculina e reprodutiva-feminina. A divisão das esferas, ao designar prioritariamente as mulheres à esfera reprodutiva, determina a esta papel subordinado à esfera produtiva.
3. Por úlimo situam-se hipóteses que se propõem a pensar a divisão sexual do trabalho como uma construção social e simbólica produzida simultaneamente na esfera da reprodução e da produção.
Assim, a divisão sexual do trabalho seria mais do que uma expressão da estratégia de capital de “dividir para reinar” (Milkman, 1982), ou de maximizar seus lucros. Permanece, no entanto, a questão de por que a sexualização de um setor ou de uma tarefa implica relações de trabalhos assimétricas. Qual a origem dessa assimetria? (pgs. 55-56)
Por mais que as pessoas pensem que mulheres e homens alcançaram a igualdade no mercado de trabalho, ainda convivemos com salários desiguais, dupla e tripla jornada, muitas mulheres em áreas específicas e poucas nos cargos de chefia. As mulheres tem sua grande fatia de mercado em setores tradicionalmente femininos como: educação, saúde, servidos e emprego doméstico. E, a grande maioria das mulheres, especialmente as negras e pardas, não estão no topo das carreiras. Profissões femininas valorizadas e bem remuneradas são em sua grande maioria ocupadas por mulheres brancas, não imigrantes e qualificadas como: médicas, engenheiras, arquitetas, jornalistas, professoras universitárias, advogadas, juízas, publicitárias, etc.
Elisabeth Lobo desenvolveu, durante a década de 80, pesquisas sobre as operárias brasileiras, os processos de trabalho e a divisão sexual do trabalho nos estabelecimentos industriais do ABC paulista, além da participação das mulheres nas lutas sindicais. Foi uma peça importante para a mudança da perspectiva do trabalho feminino ao participar da construção do Partido dos Trabalhadores, lutando para incorporar a pauta feminista em suas plataformas e programas.
Nos últimos vinte anos, as análises sobre a divisão sexual do trabalho se desenvolveram partindo de novas configurações, no contexto atual da globalização. A partir dos anos 90 temos a precarização e a vulnerabilidade dos empregos criados. O número de empregos formais é instável e isso afeta diretamente as mulheres, pois ainda acredita-se que o homem é o provedor e a mulher tem o valor de seu trabalho menosprezado, pois deveria ficar em casa cuidando dos filhos, sua mão-de-obra tem valor secundário. O novo padrão de acumulação do capitalismo e a reestruturação da produção desencadeada em escala mundial implicaram num processo de transformação profunda do mundo do trabalho.
Milhares de mulheres passam seus dias e noites tentando conciliar trabalho assalariado, atividades domésticas e o cuidando com crianças e idosos. A principal consequência disso é que políticas de flexibilização e precarização do trabalho alteram as atividades do trabalho, fazendo com que mais mulheres procurem empregos parciais, contratos por tempo determinado ou trabalhos em domicílios, marcados pela informalidade dos laços empregatícios, sem revalorização do trabalho feminino, aprofundando ainda mais as desigualdades entre os sexos. Enquanto as responsabilidades familiares e domésticas forem apenas das mulheres esse cenário não mudará.
Fonte : A classe operária tem dois sexosBlogueiras Feministas | Blogueiras Feministas

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