quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013

Os meninos esquecidos que não tem nome


Eles parecem não ter nome. São os molequinhos, os sujinhos, os suspeitos. Perambulam pelas ruas, gritam com as pessoas, até batem a sua carteira. Estão invisivelmente nas escadarias das igrejas, nas marquises dos prédios, deitados no cordão da calçada. Qual o nome deles? Eles não tem nome. As vezes pergunto para determinada criança? Fofuxo, qual teu nome? A resposta é: Chonico! Eu insisto perguntando qual o nome, ele não sabe, é assim que é chamado, eu pergunto para o responsável: ei, qual o nome do seu  filho? É Chonico!
Eu insisto na necessidade de saber o nome e o responsável tem que se dirigir até onde mora para procurar a certidão de nascimento, pois também não sabe o nome. Chonico também não tem um rosto, na verdade Chonico nem é percebido, é como se não tivesse corpo. Ao encontrá-lo sentado em um praça, na saída de um supermercado, você pode nem perceber a presença dele.  São pequenos, rápidos, quietos e barulhentos.
Chonico evade da escola, entra e sai de diversos programas de assistência, nada dá jeito nesse menino. Quase todo dia pode-se encontrá-lo nos sinais perto da escola, a noite é sempre recolhido e trazido de volta. Ele consome muitas bebidas alcoólicas, fuma muito e tem 13 anos.  Treze anos de vida e muita experiência. Boa parte das pessoas que atendem Chonico já o colocam como o “garoto problema”, o “menino que não tem mais jeito”, e como um menino de 13 anos não tem mais jeito? Quando tentamos abraçar Chonico seu corpinho se fecha, os braços endurecem e não se abrem, a cabeça fica baixa e o olhar busca o chão.
Leia a reportagem completa Aqui

quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013

Auxílio financeiro durante a gravidez, aborto e o pulular da misogínia


Por LUKA
Semana passada a Defensoria Pública do Estado de São Paulo divulgou que o número de mulheres grávidas que tem ciência do direito de auxílio antes do nascimento é ínfima. A lei que institui o auxílio financeiro as mulheres grávidas é de 2008. Muito bem, a questão é que semana passada o debate voltou à tona e me assustou, como de costume, a baixa noção de comentários sobre os direitos das mulheres.
A lógica de que mulher engravidando é sinônimo de golpe da barriga foi a maior das premissas que ouvi durante a última semana, outra pérola foi o um comentário falando sobre como as feministas e o governo modificam sua posição sobre vida intrauterina quando há dinheiro envolvido. Para quem tem estômago os comentários podem ser lidos aqui.
Não vou entrar no mérito do por que juridicamente este auxílio é pertinente, deixo isso para os advogados da área de família. Porém acho fundamental atentar do quanto o discurso feminista é essencial para a compreensão e até mesmo divulgação deste direito das mulheres grávidas.
Primeiro no Brasil vivemos um cenário de violência obstétrica muito alto, mulheres que durante o trabalho de parto te seus direitos ignorados, assédio moral e diversos tipos de violência que há 2 anos foram sistematizados em pesquisa da Fundação Perseu Abramo.
Segundo o estudo relatado na matéria, “uma em cada quatro mulheres que deram à luz em hospitais públicos ou privados relatou algum tipo de agressão no parto, perpretada por profissionais de saúde que deveriam acolhê-la e zelar por seu bem-estar. São agressões que vão da recusa em oferecer algum alívio para a dor, xingamentos, realização de exames dolorosos e contraindicados até ironias, gritos e tratamentos grosseiros com viés discriminatório quanto a classe social ou cor da pele.”
As agressões verbais relatadas são assustadoras, coisas como: “Na hora de fazer não chorou, não chamou a mamãe. Por que tá chorando agora?”; ou “Não chora não que no ano que vem você está aqui de novo”; ou ainda “Se gritar, eu paro agora o que estou fazendo e não te atendo mais”, descritas no estudo e relatadas pela reportagem da Folha. (Kathy. Na hora de fazer não chorou)
Publicidade do grupo "Bloco de Esquerda". Fonte: Wikimmedia Commons.
Publicidade do grupo “Bloco de Esquerda”. Fonte: Wikimmedia Commons.
Mas por que este auxílio financeiro antes do parto ajudaria a combater casos de violência obstétrica? Ora, com bom acompanhamento pré-natal, acesso a bons profissionais (lembremos, estamos em um país onde a saúde pública é cada vez mais sucateada e privatizada) e a informação diminui as chances das mulheres sofrerem este tipo de violência. Até por que esta lógica de que a mulher faz o filho sozinha é altamente retrógada, se a escolha é por ter o pai, mesmo que não esteja presente, tem o dever de auxiliar financeiramente a mãe para poder comprar mobília, assegurar um parto seguro e saudável para os dois e depois se transformar em pensão alimentícia, pois manter uma criança sozinha não é tarefa nada simples.
Infelizmente o machismo reverbera a ideia de que os homens não tem por que se preocupar, é só sumir que o problema acaba e a responsabilidade também. Ledo engano e é nossa tarefa deixar claro que as responsabilidades são compartilhadas.
Porém há outro aspecto interessante desta lei. O fato de não haver necessidade de se comprovar a viabilidade do feto é algo altamente progressista, pois caso a mulher decida por não ter o feto ela não precisa arcar sozinha com as despesas. Vamos lembrar? No Brasil o aborto é criminalizado para aquelas que não podem arcar com as clínicas chiques dos centros urbanos que custam seus milhares de reais, esta possibilidade (de forma bem reformista, pois lutamos pela legalização do aborto e sua realização no serviço público de forma gratuita) abre um alento a mais para as mulheres que decidem por não ter o feto por diversos motivos.
Lendo a lei, os comentários sobre o tema e os diversos blogs sobre maternidade ativa e outros sobre feminismo cada vez fica mais claro o quanto precisamos debater entre nós a relação da nossa sexualidade e reprodução dentro de um contexto de direitos sexuais e reprodutivos de forma mais universal. Compreendendo o quanto a responsabilização dos homens nestes processos é essencial e fundamental.

terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

Ministra Eleonora trata da importância das mulheres para o desenvolvimento do país


Texto opinativo publicado, no domingo (17/02), antecipa reflexão sobre o Dia Internacional da Mulher e registra resultados positivos de programas sociais focados na igualdade de gênero
 
Mulheres fortes, nação desenvolvida
 
O crescente empoderamento da mulher, sua importância para a economia global e sua influência positiva nas comunidades fazem com que a humanidade não possa mais se dar ao luxo de concentrar atenção à equidade de gênero somente às vésperas do seu dia internacional. Sem dúvida, a data - 8 de março - é emblemática, por visibilizar sua situação no mundo e tornar pública a busca pela realização dos seus direitos humanos. Mas, no século 21, é notório que esses direitos devam ser discutidos e assegurados diariamente e, de forma mais intensa, quando violados, a fim de garantir o desenvolvimento dos países. 
Como já disse a presidente Dilma Rousseff, ícone mundial pelo pioneirismo no governo do Brasil, "as mulheres podem". Se hoje estamos em postos de poder e tomada de decisão, foi porque sonhamos e ousamos romper os limites impostos à nossa condição. Lutamos e conquistamos direitos, os quais não foram concedidos sem enfrentamento constante com o patriarcado. 
 
No governo federal, isso se materializa por meio da Secretaria de Políticas para as mulheres da Presidência da República (SPM-PR). Há 10 anos, as principais reivindicações dos movimentos de mulheres e feministas foram incorporadas à gestão pública. E seguem, cada vez mais, espalhando-se para as administrações de estados e municípios. 
 
Não se pode fazer política pública sem incluí-las. As políticas serão efetivas somente quando elas estiverem inseridas não apenas como público beneficiário, mas como cidadãs. É o que demonstram os resultados dos principais programas sociais: Bolsa Família, Brasil Sem Miséria, Brasil Carinhoso, Assistência Integral à Saúde da Mulher, com destaque para o rede cegonha e a prevenção dos cânceres de colo de útero e de mama, o Minha Casa, Minha Vida e a rede de enfrentamento à violência contra as mulheres. Esses são bem-sucedidos porque até os não específicos focam, entretanto, nelas e estimulam sua autonomia econômica, da casa ao mundo do trabalho. 
 
De olho nas mudanças sociais, a SPM-PR levou para o interior do governo a demanda de incentivo ao ingresso e à valorização em carreiras tecnológicas e formação continuada, o que se revelou nos programas Mulher e Ciência, Brasil sem Miséria, Pronatec (Programa Nacional de acesso ao Ensino Técnico e Emprego), Gênero e Diversidade na Escola e Gênero e Raça nas Políticas Públicas. A secretaria abriu diálogo e mantém colaboração com empresas privadas e públicas, por meio do Pró-Equidade de Gênero e Raça, para fomentar o respeito às identidades e a ascensão a cargos executivos. 
 
O combate à violência de gênero - outro tema histórico de atuação da sociedade civil - entrou com força na agenda do governo federal há uma década. Em 2005, foi criada a Central de Atendimento à Mulher - Ligue 180. Na sequência, sancionou-se a Lei Maria da Penha, a Lei nº 11.340/2006, que se tornou referência mundial, segundo a ONU. Um ano depois, instituiu-se o Pacto Nacional pelo Enfrentamento à Violência contra as mulheres. Atualizado, esse último estabelece a cooperação entre os governos federal e estaduais, tribunais de Justiça, ministérios e defensorias públicas para prevenção e resposta contra a impunidade da violência de gênero, obstáculo à liberdade feminina. 
 
Com mais de 3 milhões de atendimentos, o ligue 180, há pouco mais de um ano, está disponível na Espanha, na Itália e em Portugal. Até o fim de 2014, chegará a mais 10 países destinos de brasileiras que estejam em situação de violência doméstica e familiar ou de tráfico e exploração sexual. Nesse período, serão ampliados serviços especializados no Brasil, inclusive em regiões de fronteira. 
 
Antes privada e sem autorização social para que fosse sequer debatida, a violência de gênero, hoje, é pública, assim como a urgência do seu enfrentamento. Sob a liderança do governo federal, a ação do Estado brasileiro passou a ser mais efetiva, inclusive para a responsabilização de agressores, tanto judiciária, quanto financeira (ressarcimento das indenizações pagas pela Previdência às vítimas ou aos descendentes). E para a libertação de brasileiras aliciadas e em condição de escravidão sexual na Europa, a exemplo de dois casos recentemente denunciados à SPM, por meio do ligue 180, os quais desencadearam operações da Polícia Federal em cooperação com embaixadas e polícias internacionais. Aliás, nesse tema, é preciso repetir à exaustão: o fundamental é não ter medo ou vergonha de denunciar, denunciar e denunciar. 
 
A poucos dias do 8 de Março, temos a convicção de que precisamos avançar mais ainda e, ao mesmo tempo, de que estamos no caminho para que as brasileiras vivam livres de quaisquer formas de discriminação - valendo isso para negras, indígenas, brancas, rurais, urbanas, jovens, idosas, lésbicas, ativistas, políticas, trabalhadoras, entre outras. Direitos são reais quando o conjunto de cidadãs e cidadãos pode exercê-los da mesma maneira. Com mulheres fortalecidas em suas potencialidades e escolhas, seremos uma nação desenvolvida, sem miséria e sem violência.
 
 
Eleonora Menicucci
Ministra de Estado Chefe da Secretaria de Políticas para as Mulheres da Presidência da República
 
 
 
Comunicação Social
Secretaria de Políticas para as Mulheres – SPM
Presidência da República – PR

segunda-feira, 25 de fevereiro de 2013

Histerectomia, um relato


Lia Mara Mayer- Blogueiras Feministas 


No final de janeiro, Lia Mara nos escreveu:
Gostaria de compartilhar com voces um desabafo… precisei fazer esse mês uma cirurgia de histerectomia e ouvi tantas coisas absurdas acerca disso, em relação ao meu corpo, a minha autonomia enquanto mulher, a minha condição de pessoa que resolvi desabafar.
O texto foi escrito de modo bem informal, numa linguagem coloquial, mas que deixa claro o que senti e o que imagino ser o pensamento hipócrita de uma grande maioria ainda.
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Texto de Lia Mara Meyer
….Quando atendi ao telefonema já senti um frio na espinha… sabia que seria para explicações intermináveis… procurei não deixar que aquelas palavras me ferissem tanto, que me apedrejassem como se estivesse cometendo um crime, mas estava sendo uma conversa pesada, imposta…. como se a partir desse momento eu não fosse mais útil a seu filho (meu marido), eu não pudesse procriar mais, e isso o indignava cada vez mais (meu sogro).
Como pode uma mulher sem útero ser útil? Ele me questionava o fato de ter tido somente um filho, ou seja, eu estou dando fim a linhagem familiar, pelo menos nesse momento. Isso era inadmissível ao patriarca. Tento esclarecer que essa é uma decisão que cabe a mim e é clara, tanto por condições econômicas, como sociais, como de saúde e psicológicas. Sim! O corpo é meu. A decisão é minha, nesse caso em conjunto com meu marido, mas com prevalência da minha vontade.
Eu ainda escuto entoar em meus tímpanos, meu sogro falando em tom alto que essa decisão deve ser por duas questões: Ou estou escondendo uma doença muito grave , ou é coisa que enfiaram na minha cabeça por “ter estudado tanto”. Fala que o marido é que decide quantos filhos ele pode sustentar, ele (meu sogro) no caso teve quatro filhos, mas foi ele que decidiu. Onde andava meu marido (filho dele) que não me impedia de fazer a cirurgia?

Como não se revoltar com pessoas assim, que ainda de acordo com outra mulher (minha sogra), dizem em alto e bom tom que devo ter algum problema em não querer ter outro filho, com tantos avanços da medicina? Que serei infeliz, e pior, que estou impedindo os outros de serem felizes.
Como convencer uma pessoa de 70 anos que estou sendo submetida a uma histerectomia aos 39 anos por ter endometriose avançada ? Como não se indignar com as imposições a que tenho que escutar, quando minha fala é a todo momento interrompida por um discurso paternalista, egoísta e agressivo. Minha indignação era compatível com minha curiosidade em ver onde o discurso dele chegaria.
Alguém me diga onde esta escrito que maternidade é sinônimo de felicidade, por favor!!
Onde esta o respeito, a tolerância, a compreensão de que meu corpo, minha saúde e minhas decisões cabem somente a mim?
Hoje tive a experiência real da violência psíquica com que sofrem mulheres em situações parecidas, que se tornam improdutivas como reprodutoras e não tem mais serventia para a sociedade (isso pelo discurso moralista da sociadede), ou que resolvem simplesmente não serem mães. São discriminadas, agredidas, vítimas de uma sociedade hipócrita que só reproduz o que os séculos já mostram – paternalismo pondo a prova seu direito sobre o corpo feminino. Estupros, mortes, violência doméstica, abusos, violência psicológica, todos os tipos possíveis, infelizmente tem em seu quadro quase sempre um homem.
Mas não acabou aí a conversa… para finalizar, escutei de meu sogro que esta “assustado” comigo e, que vai rezar para nada de pior acontecer, porque estou me atirando de uma ponte sozinha, mulher sem útero não vive muito tempo, porque “seca por dentro”.
Complemento com a ligação de uma “amiga” me perguntando…”como esta sua cabeça? Porque viver sem útero deve ser muito difícil, afinal, é sua essência que não existe mais”. Indignada, e sem vontade de responder a uma questão absurda dessas, disse que estava cansada, queria me deitar e desliguei. Me nego a conversar partindo de uma premissa tão revoltante.
Tomo essa conversa como um motivador para avançar nos estudos de gênero, porque ser mulher sempre foi, sempre será uma questão muito mais abrangente do que uma questão de gênero. Seria como se fossemos a grosso modo divididas em putas, santas, mães, parideiras, domésticas, loucas, lésbicas, ou então… bem… definições é que não faltam aos homens para “essas mulheres”. E o pior… essas definições muitas vezes partem das próprias mulheres…
No início de fevereiro tive acesso a biópsia realizada e se não tivesse feito a cirurgia, pelo resultado da biópsia teria grandes chances de desenvolver um tumor e engrossar a enorme lista de casos de câncer do colo de útero no Brasil.
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Lia Mara Mayer é socióloga. Tem 39 anos, é casada e tem um filho. Faz mestrado em Ciências Sociais na UFPR.

domingo, 24 de fevereiro de 2013

De Lincoln ao Carnaval 2013: por que o papel das mulheres não evoluiu tanto assim


Candice Soldatelli
Tradutora

                  Há uma cena que leva quase todos os espectadores às gargalhadas durante a exibição do excelente Lincoln, de Steven Spielberg, em cartaz nos cinemas e candidato ao Oscar deste ano. Enquanto um dos congressistas norte-americanos tenta justificar seu veto ao projeto de abolição à escravatura, ele usa o seguinte argumento: um dia os negros teriam o direito ao voto e isso levaria, “o que seria mais horrível ainda”, ao voto feminino. O absurdo de que tal pensamento fosse normal e aceito há cerca de 150 anos leva ao riso, ainda mais diante de outras conquistas femininas tão ou mais importantes que o voto. No Brasil, por exemplo, temos uma mulher na Presidência da República. Milhões de mulheres também são chefes de suas famílias, milhares são donas de empresas e geram empregos e renda. As mulheres tornaram-se líderes, formadoras de opinião, são ouvidas, todos esses direitos inimagináveis no na época em que o filme Lincoln se passa, o que só ressalta a importância de tudo o que se conquistou entre os séculos XIX e XX.

Contudo, parece que a evolução não se deu em todas as vias possíveis e necessárias. Em pleno Carnaval, somos obrigados a ler a seguinte manchete em três diferentes importantes portais de internet: “Vice Miss Bumbum desiste de desfilar”. Junto às palavras, uma imagem que vale por várias delas: uma moça de 20 e poucos anos, o corpo coberto de purpurina, visíveis implantes de silicone espocando de seu peito, nada mais que um objeto à mostra para chamar a atenção. Próximo a essa “matéria”, várias outras imagens de mulheres praticamente nuas com legendas exaltando a “beleza da mulher brasileira”,  além da notícia de uma cantora de axé conclamando “É noite de sexo, bebê”, e de mais uma notinha achando “estranho” que uma bela atriz global tenha se fantasiado de Bruxa Má do Oeste – aquela, de O Mágico de Oz – em vez de estar usando um traje sumário qualquer.

                  O que tudo isso tem a ver com Lincoln? Simples: muitas mulheres e muitos homens a frente do seu tempo lutaram tanto para que tivéssemos direitos sobre nossas próprias vidas, contudo parece que continuamos a chamar a atenção dos outros apenas por causa de um corpo. Quão eloquente é um corpo desnudo numa folia de Carnaval? O que uma mulher diz quando sua boca cala e todo o resto se revela apto a apenas uma fantasia sexual? Como podemos viver num país que aceita – e até incentiva – o recebimento de turistas estrangeiros cujo único propósito é fazer sexo fácil com uma menina prostituta?

                  Em vez de enxergar os 150 anos que nos separam daqueles congressistas americanos horrorizados com a possibilidade de as mulheres votarem, precisamos enxergar o que levou tantas garotas a aceitarem e buscarem a posição de mero objeto sexual, chegando a ver nisso um motivo de glória e de poder, mesmo tendo um leque de possibilidades se descortinando a sua frente. A quem interessa exaltar esse tipo de mulher, como se fosse um belo adereço na página inicial? Infelizmente, qualquer mulher que ousar a questionar essa ditadura do corpo é acusada, quase que imediatamente, de frígida, mal-amada, feia, gorda, entre outros atributos sempre relacionados a uma vida sexual mal resolvida ou a uma aparência nada atraente.  

             Estão, aos poucos, desconstruindo uma força feminina que levou anos para existir, substituindo a integridade de um pensamento e da construção de conhecimento pela falsa ideia de que para ser importante basta ter um belo bumbum. Quando até a “Vice Miss Bumbum” ganha os holofotes, o que sobrou para a pobre Miss Simpatia ou para a Miss Voluntária? As garotas que buscam tomar seu tempo crescendo internamente, alimentando sua alma e seu intelecto, pouca visibilidade têm em comparação com as garotas siliconadas, sempre em destaque numa mídia aparentemente dominada por machos que, se não são tão retrógados quanto os congressistas de Lincoln, são praticamente os mesmos primatas cujos instintos de reprodução ignoraram a existência de uma lady chamada evolução.

De Lincoln ao Carnaval 2013: por que o papel das mulheres não evoluiu tanto assim

24 de fevereiro é a data da conquista do voto feminino



José Eustáquio Diniz Alves[1]

“…  Já vejo as duas, legislativamente,
executivamente,
a sorte das mulheres resgatando.
As amadas-escravas se libertam
do jugo imemorial,
perdoam, confraternizam, viram gente
igual a nós, no mundo-irmão…”

Com estes versos, Carlos Drummond de Andrade saudou as “duas mineirinhas” – Mietta Santiago e Ivone Guimarães – que conquistaram, por sentença judicial, o direito de voto e abalaram os alicerces da Minas tradicional, ainda na década de 1920.

A  sorte das mineiras e brasileiras começou a mudar no dia 24 de fevereiro de 1932. Elas conquistaram o direito de voto no bojo da luta sufragista e da revolução de 1930, pois tal conquista seria impossível durante a patriarcal e rural República Velha. Na Constituinte de 1891, o voto feminino foi negado sob o argumento de que seria “um estímulo ao fim das famílias”. Contudo, no alvorecer do século XX, novos ventos sopravam da Europa e dos Estados Unidos. O Brasil, que foi o último país a eliminar a escravidão oficial, não poderia ser o último a negar cidadania às “amadas-escravas”.

sábado, 23 de fevereiro de 2013

Ligue 180, a central de serviços para denúncias, será ampliada


Renata Giraldi
Repórter da Agência Brasil
Brasília – O combate ao tráfico de pessoas foi intensificado com a participação na Central de Atendimento à Mulher - Ligue 180 Internacional. Só em 2012, o serviço recebeu 80 ligações com denúncias. A Secretaria de Políticas para as Mulheres informou que apenas nos três primeiros dias da semana passada, quando vieram à tona as denúncias de desmantelamento de uma rede de tráfico de pessoas na Espanha, o serviço recebeu 57 ligações.
A Central de Atendimento à Mulher - Ligue 180, por enquanto, atende apenas às pessoas que estão em Portugal, na Espanha e na Itália. O governo promete, no entanto, ampliar o serviço para mais dez países em todos os continentes. A ideia é lançar a ampliação do serviço no Dia Internacional da Mulher, em 8 de março.
Na Espanha, as brasileiras vítimas de violência devem ligar para o número 900 990 055, fazer a opção 1 e, em seguida, informar à atendente (em português) o número (61) 3799-0180. Em Portugal, os interessados devem ligar para 800 800 550, também fazer a opção 1 e informar o número (61) 3799-0180. Na Itália, podem ligar para o 800 172 211, fazer a opção 1 e, depois, informar o número (61) 3799-0180.
O Ligue 180 Internacional foi criado em novembro de 2011. Para o Brasil, o serviço funciona desde 2005 e registra mais de 3 milhões de atendimento em todo o território brasileiro, segundo a secretaria.
Edição: José Romildo

Ligue 180, a central de serviços para denúncias, será ampliada

sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013

É possível ter dois pais ou duas mães no registro civil


O direito de família vem passando por inúmeras modificações com o passar dos anos, e o conceito de família vem se ampliando para abranger as mais diversas formas de núcleos familiares existentes hoje em dia. É nesse contexto, observando que o divórcio vem se tornando algo cada vez mais comum e frequente, é que surge o tema da multiparentalidade.
A título exemplificativo é possível imaginarmos a seguinte situação: uma menina cujos pais biológicos são divorciados perde a mãe biológica ainda na infância, sendo criada a vida toda pelo pai e pela madrasta. Cria-se entre a madrasta e a enteada um vínculo socioafetivo, estabelecido pelo laço de amor e de cuidado, laço este que perdura ao longo da vida em uma exímia relação maternal. Seria possível que esta menina ou que a madrasta requeressem a declaração da maternidade socioafetiva e inclusão em seu registro civil mantendo o nome da falecida mãe biológica?
Trata-se apenas de uma possibilidade, entre tantas outras, em que o assunto da multiparentalidade vem à tona. A Lei 11.924/2009 já regulamentou a possibilidade de o enteado ou enteada adotar o patronímico da família do padrasto ou da madrasta, porém a questão da multiparentalidade vai além, e questiona-se se seria possível alguém ter em seu registro civil o nome de duas mães ou de dois pais.
Sobre o tema não há consenso doutrinário, sobretudo no que tange à questão sucessória e alimentar, porém grande parte dos doutrinadores modernos é favorável a essa possibilidade, como o professor Flávio Tartuce¹, que afirma que a multiparentalidade é um caminho sem volta na modernização do direito de família e que representa uma consolidação da afetividade como princípio jurídico em nosso sistema.
Embora também não haja jurisprudência consolidada acerca do assunto, em agosto de 2012 a 1ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo inovou ao julgar procedente a apelação cível 0006422-26.2011.8.26.0286, interposta em ação declaratória de maternidade socioafetiva, declarando a maternidade socioafetiva concomitantemente com a maternidade biológica.
O relator, desembargador Alcides Leopoldo e Silva Junior, em caso semelhante ao exemplificado acima, mencionou que não haveria qualquer tipo de reprovação social em se declarar legalmente a maternidade socioafetiva concomitantemente com a biológica. Citou por base decisão do STJ que reconheceu a possibilidade de adoção por duas mulheres, equiparando a multiparentalidade à dupla adoção.
Nesse contexto, levando em consideração o princípio da dignidade da pessoa humana, bem como a afetividade, a solidariedade e a idéia de família contemporânea plural, é provável que surjam novas decisões nesse sentido, consagrando a tendência do direito de família de se adaptar a uma nova realidade social, buscando assegurar direitos constitucionalmente protegidos.
Referências Bibliográficas
1 - TARTUCE, Flávio. O princípio da afetividade no direito de família. In:http://www.ibdfam.org.br/novosite/artigos/detalhe/859
Roberta Raphaelli Pioli é advogada no escritório Fernando Quércia Advogados Associados.
Revista Consultor Jurídico, 18 de janeiro de 2013


É possível ter dois pais ou duas mães no registro civil

PL fortalece diretriz de atendimento às vítimas de violência



O ministro da Saúde, Alexandre Padilha, e o presidente da Câmara dos Deputados, Henrique Alves, discutiram proposta para acelerar a votação do projeto de lei
O Projeto de Lei (PL - 60/99) que trata do atendimento hospitalar às mulheres vítimas de violência sexual deverá ser votado pela Câmara dos Deputados na semana em que é celebrado o Dia Internacional da Mulher (8 de março). A garantia foi dada pelo presidente da Câmara, Henrique Eduardo Alves, ao ministro da Saúde, Alexandre Padilha, durante reunião com a bancada feminina da Câmara, realizada nesta quarta-feira (20).
A votação do projeto transformará em lei as diretrizes já definidas pelo Ministério da Saúde, desde 2004, na Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Mulher. A estratégia tem como princípio a humanização do atendimento, a não fragmentação das ações em saúde, a expansão das redes de atendimento das mulheres em situação de violência e a melhoria do acesso e da qualidade do atendimento. O projeto original era de 1999, mas jamais chegou a ser regulamentado.
O PL estabelece que o atendimento deve ser imediato e multidisciplinar para o controle e tratamento do ponto de vista físico e emocional da vítima, conforme já preconizado pelo Ministério da Saúde dentro das políticas de atendimento às mulheres. De autoria da deputada federal Iara Bernardi, já foi aprovado pelas comissões de Seguridade Social e Família (CSSF)e de Constituição e Justiça e de Cidadania(CCJC).O próximo passo será a votação no plenário da Câmara.
No Sistema Único de Saúde (SUS) não é necessária a apresentação de Boletim de Ocorrência Policial (BO) para atendimento, inclusive nos casos de violência doméstica e/ou sexual. Os hospitais e centros de saúde devem orientar a mulher sobre a necessidade de buscar a defesa de seus direitos e a responsabilização de agressores, segundo a Lei Maria da Penha (nº 11.340/2006), que coíbe a violência doméstica e familiar contra a mulher.
O SUS oferta, atualmente, 584 serviços para atendimento a vítimas de violência sexual e doméstica, como exames clínicos e laboratoriais, vacinação, planejamento familiar, acompanhamento psicológico, entre outros.
A mulher vítima de violência deve procurar a unidade mais próxima da sua casa, onde será atendida por uma equipe especializada, formada por médico, psicólogo e técnicos de enfermagem.
O Ministério da Saúde também vem intensificando a qualificação dos profissionais de saúde que atuam nos serviços de atendimento aos agravos decorrentes de violência sexual. 

quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013

É preciso denunciar e não ter medo, recomenda ministra sobre tráfico de pessoas


Renata Giraldi
Repórter da Agência Brasil
Brasília – O governo do Brasil vai intensificar a campanha de combate ao tráfico de pessoas, ampliando o serviço de atendimento às denúncias sobre esse mercado. Para obter resultados, a ministra da Secretaria de Políticas para as Mulheres, Eleonora Menicucci, faz um apelo, em entrevista àAgência Brasil: “A primeira coisa a fazer é denunciar e não ter medo. Ser traficada, ser violentada, não é vergonha para ninguém. Podem ter certeza, o governo brasileiro está do lado das mulheres e vítimas. O governo não aceita mais conviver com o tráfico”.
A ministra lembrou que o tráfico envolve não só mulheres, mas crianças e homossexuais. “Denunciar vale para todos. A pessoa não pode ser discriminada nem excluída por causa de sua escolha sexual. Falo isso de alma e coração. O governo não aceita conviver com a homofobia nem com a lesbofobia. Somos todos brasileiros. É uma diretriz de governo, uma posição e uma convicção”, ressaltou. A seguir, os principais trechos da entrevista da ministra:
Agência Brasil – O aumento das discussões sobre o tráfico de mulheres é provocado pela elevação de casos nos últimos meses?
Eleonora Menicucci – Não. Isso não significa que aumentou, mas, sim, que o assunto saiu do esconderijo e só sai de baixo do tapete quando há um governo determinado a resolver a questão. A presidenta Dilma Rousseff é obcecada pelo tema do enfrentamento à violência e ao tráfico de pessoas e por isso há uma política de governo neste sentido. No que se refere ao tráfico de pessoas, historicamente as crianças e as mulheres são as principais vítimas.
Agência Brasil – Há uma razão para que mulheres e crianças sejam as principais vítimas do tráfico de pessoas?
Eleonora Menicucci – As crianças, porque indefesas, e as mulheres porque ainda predomina o sistema do patriarcado, no qual elas são traficadas para fins de negócios e de mercado. As mulheres são objeto de negócios, no caso, do [mercado de] sexo. O que não tem relação alguma com prostituição, é preciso fazer essa distinção.
Agência Brasil – Qual a diferença entre tráfico de pessoas para fins de exploração sexual e prostituição?
Eleonora Menicucci – A mulher quando é traficada, o objetivo é que outros ganhem dinheiro [à custa dela]. Isso é crime. A prostituição, a pessoa faz programas sexuais para viver – ou não, mas de alguma maneira é [uma iniciativa] espontânea.
Agência Brasil – Há mais de um ano participando da campanha de combate ao tráfico de pessoas, o que a senhora recomenda para as famílias das vítimas e até mesmo para quem foi aliciado?
Eleonora Menicucci – Antes de tudo, a primeira coisa é denunciar e não ter medo. Ser traficada, ser violentada não é vergonha para ninguém. Podem ter certeza, o governo brasileiro está do lado das mulheres e vítimas. O governo não aceita mais conviver com o tráfico. Quem fazia isso [traficar pessoas] era a escravidão. Estamos empenhados em acabar com os resquícios da escravidão.
Agência Brasil – Homossexuais e transexuais também são vítimas das redes de tráfico de pessoas. O governo observa isso?
Eleonora Menicucci – Denunciar vale para todos. A pessoa não pode ser discriminada nem excluída por causa de sua escolha sexual. Falo isso de alma e coração. O governo não aceita conviver com a homofobia nem com a lesbofobia. Somos todos brasileiros. É uma diretriz de governo, uma posição e uma convicção.
Agência Brasil – O governo concentrou-se no combate às redes de tráfico de pessoas em Portugal, na Espanha e na Itália. Há pretensões de ampliar a campanha para outros países?
Eleonora Menicucci – Sim. Queremos ampliar ainda este ano.Vários acertos estão sendo feitos. Mas é um processo. Esses países [Portugal, Espanha e Itália] foram escolhidos devido à facilidade de tráfico existente nessas regiões. Além disso, a crise econômica [internacional] acabou aumentando a ação dos traficantes e o idioma [próximo ao português falado no Brasil] também ajuda. Mas há também casos [em investigação] em El Salvador, na França, em Luxemburgo e na Suíça.
Agência Brasil – Para a senhora, a atuação da CPI do Tráfico de Pessoas vai colaborar com a campanha nacional?
Eleonora Menicucci – Acho extraordinário [o trabalho] da CPI. É uma proposta que vem somar ao enfrentamento ao tráfico de pessoas. Sem dúvida, agrega e sensibiliza a atuação do Congresso.
Agência Brasil – O tráfico existe de uma forma geral, então?
Eleonora Menicucci – O tráfico existe dentro do próprio país. No Sul, no Sudeste, no Centro-Oeste, no Nordeste e no Norte. Outro dia desbarataram uma casa em São Paulo e foram encontradas meninas de 12 anos.
Agência Brasil – O traficante tem um perfil?
Eleonora Menicucci – Os envolvidos com o tráfico são pessoas do círculo de conhecimento da vítima, que vigiam a rotina dela. Em geral, os traficantes fiscalizam e acompanham a rotina da vítima, depois partem para o assédio. Em Salamanca [Espanha], por exemplo, eles observavam a rotina das mulheres na academia de ginástica. Mas também é bastante frequente fazer isso em bares.
Agência Brasil – A estratégia de assédio é, em geral, a mesma?
Eleonora Menicucci – As mulheres são seduzidas com a promessa de uma vida melhor, de trabalho com carteira assinada e de forma mais digna. [Em geral], são mulheres pobres, mas há também casos de classe média. Todas têm sonhos de melhorar de vida. Não quer dizer que só as mulheres pobres são vulneráveis. São mulheres bonitas, jovens e promissoras.
Agência Brasil – Quando desembarcam no país prometido, a realidade é totalmente diferente da informada nos primeiros contatos...
Eleonora Menicucci – As mulheres ganham as passagens e as promessas são as mais variadas. Quando chegam [ao país prometido], os documentos são retirados e são informadas que têm dívidas. Houve uma jovem que a dívida dela era de mais de 5 mil euros [mais de R$15 mil]. [Essas mulheres] são confinadas em condições desumanas e sem alimentação. As quadrilhas as mantêm em lugares do tipo boate e não saem para nada. [Também] são obrigadas a ter relação [sexual] o tempo todo.
Edição: José Romildo

É preciso denunciar e não ter medo, recomenda ministra sobre tráfico de pessoas

quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013

Movimento feminista e o aborto na América Latina: a soberania do corpo das mulheres frente o capitalismo


*Por Maria Fernanda Marcelino e Sarah Luiza, direto do Chile.

Atividade AbortoAtendendo ao chamado da Marcha Mundial do Chile, no dia 25 de janeiro, e reunidas na Cumbre de los Pueblos 2013, em Santiago do Chile, realizamos um debate sobre “Movimento feminista e o aborto na América Latina: a soberania do corpo das mulheres frente o capitalismo” com a participação de mulheres que compartilharam as experiências na luta pela descriminalização e legalização do aborto na América Latina. Participaram da mesa representantes do Brasil, Chile, Argentina, com a contribuição do secretariado internacional da MMM sobre o contexto vivido pelas mulheres da Europa.
Estiveram na atividade cerca de 70 pessoas, mais de 90% mulheres e um grande número de jovens de países como Brasil, Argentina, Bolívia, Peru, Paraguai, Cuba, México, França, Suécia e Chile interessadas em entender o contexto do aborto em outros países e debater como o patriarcado se expressa no controle do corpo das mulheres latino-americanas, europeias e caribenhas.
A utilização dos corpos das mulheres e de sua sexualidade para a reprodução da vida e a manutenção do capitalismo tem sido um dos pilares que sustentam o sistema: com baixos custos, explora nossa força de trabalho e nossa criatividade, cobrando-nos o cuidado com todas e todos, em nome de uma abnegação “voluntaria” resultante da ideia da obrigatoriedade da maternidade. “Queremos somente poder dizer sim ou não a gravidez”, dissemos em nosso debate. A partir da discussão sobre nossa identidade como feministas, e da essência de nossa luta esta no questionamento das imposições sociais às mulheres, afirmamos a importância da luta contra a criminalização e pela legalização do aborto.
A partir das apresentações, constatamos que todas nós, de regiões tão diversas, estamos travando uma mesma luta, em um movimento contra a onda conservadora que ataca diretamente a nossa vida. Para as mulheres da América Latina a batalha está em torno da conquista e ampliação de direitos, enquanto na Europa o esforço está na manutenção de direitos já conquistados.
Outro aspecto comum foi ver a ousadia de grupos militantes que lutam para que todas tenham autonomia sobre seus corpos e suas vidas. As ações são inspiradoras!
Uma companheira da Argentina, militante da Marcha e da CTA – Central de Trabalhadores e Trabalhadoras da Argentina, nos relatou a luta que elas têm travado nos últimos 2 anos através da “Campana nacional por el derecho al aborto legal, seguro e gratuito”, que está composta por mais de 200 organizações . O aborto, no pais, não é punível apenas nos casos onde as mulheres são violentadas, como diz o Código Penal.
No ano passado realizaram duas grandes ações: uma no Dia Internacional de Luta das Mulheres, o 8 de março, onde articularam a luta pela legalização do aborto e a luta contra a privatização do trabalho e a igualdade salário. Em abril, organizaram uma mobilização com a participação de mais de 15 mil mulheres, cobrando do congresso que debatesse o projeto de lei, apresentado pela campanha, de interrupção voluntário da gravidez. Essa ação tornou público o debate, ocupando muito espaço nos meios de comunicação e contribuindo para o crescimento da articulação dos movimentos mulheres argentinas.
Já os relatos das militantes do Chile nos mostraram como vivem em um contexto de extremo conservadorismo, onde o aborto é crime em qualquer circunstância. Mesmo assim o movimento feminista tem uma ação audaciosa: mantêm uma linha telefônica que tem como objetivo informar aquelas que as procuram informações sobre o uso do misoprostol para a interrupção de uma gestação indesejada. As tentativas de encerrar a linha são inúmeras, mas elas continuam atuando. A proposta “Linha Aborto” teve seu início na Argentina e hoje há também, além de no Chile, no Uruguai.
Enfim, nos alegrou a presença uma companheira cubana, que mesmo vindo de um país onde as mulheres já têm conquistado o direito ao aborto há muitos anos, mostrou sua solidariedade afirmando que continuam em luta para que o direito ao aborto legal e seguro chegue às mulheres de todos os povos. “Se há uma mulher que sofre, isso também é um assunto de nós, cubanas”. E de todas nós, completamos!
*Sarah Luiza (CE) e Maria Fernanda Marcelino (SP) são militantes da Marcha Mundial das Mulheres no Brasil.

fonte: http://marchamulheres.wordpress.com/2013/01/28/movimento-feminista-e-o-aborto-na-america-latina-a-soberania-do-corpo-das-mulheres-frente-o-capitalismo-nossas-impressoes/


Movimento feminista e o aborto na América Latina: a soberania do corpo das mulheres frente o capitalismo

terça-feira, 19 de fevereiro de 2013

CLAM - Sexualidade, Saúde e Sociedade


Sexualidade, Saúde e Sociedade

número 12 de Sexualidade, Saúde e Sociedade Revista Latino Americana reflete de modo especial as potencialidades do trabalho cooperativo entre investigadores de diferentes países latino-americanos. No primeiro dossiê que oferece aos leitores, aborda-se o candente tema do aborto, que na maior parte dos países da região segue sendo um ponto de disputa política e de controvérsia entre diferentes moralidades. O dossiê traz artigos sobre os contextos argentino, colombiano, uruguaio e brasileiro. Os artigos que acompanham o dossiê mantêm com ele significativo diálogo, por abordarem questões especialmente importantes para as mulheres, sobretudo para mulheres das classes trabalhadoras, e apontar para outras dimensões relativas ao exercício da sexualidade e aos direitos sexuais.



No primeiro dossiê que Sexualidade, Saúde e Sociedade Revista Latino Americanaoferece aos leitores, aborda-se o candente tema do aborto, que na maior parte dos países da região segue sendo um ponto de disputa política e de controvérsia entre diferentes moralidades.


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segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013

CLAM - ST 69 Fazendo Gênero -

ST 69 Fazendo Gênero

O Simpósio Temático 69 (Gênero, Saúde e Família: negociações com práticas e saberes biomédicos), do Fazendo Gênero 2013, está com inscrições abertas para resumos até 20 de março. O ST tem como objetivo reunir trabalhos que problematizem definições biomédicas de gênero.

Clique aqui para acessar o site do evento. Abaixo a ementa do ST.

Historicamente a biomedicina desenvolveu discursos e práticas voltados para o controle da vida social e das moralidades por meio do campo da saúde. Modelos de comportamento e atuação social foram e continuam sendo definidos com base na ideia da diferença biológica entre os sexos. No entanto, pesquisas etnográficas nos mostram que, embora hegemônicos, os discursos biomédicos sobre gênero e saúde não são de todo definidores do modo como as pessoas, situadas em diferentes contextos culturais e sociopolíticos, atuam na gestão e percepção de seus corpos, da saúde, da reprodução ou do cuidado com a família. Além disso, proposições teóricas recentes, que envolvem novas categorizações da ideia de gênero, a exemplo da performatividade em Judith Butler, nos conduzem a reconsiderações sobre o tema da família e do cuidado em saúde, que podem estar sendo reavaliados diante de novas conjugalidades e das homoparentalidades.

Esse ST pretende reunir trabalhos baseados em pesquisas nas quais definições biomédicas de gênero vão ser tensionadas, reescritas, negociadas, afirmadas ou negadas pelos sujeitos na sua relação com discursos, espaços, práticas e saberes biomédicos. Dentre várias articulações possíveis de temas, serão bem-vindos trabalhos que problematizem 1) a atuação das mulheres em grupos de ajuda mútua e no ativismo político na construção de demandas relacionadas à saúde, reprodução e liberdade sexual; 2) o modo como mulheres e homens têm se utilizado das tecnologias reprodutivas na constituição de novas configurações sobre a família e a sexualidade, considerando aqui as tensões entre os modelos heteronormativos e a construção de discursos envolvendo a reprodução sem sexo e a homoparentalidade; 3) as tensões envolvendo categorias relacionadas a gênero e cuidado presentes nas interações com profissionais de saúde em diversos contextos (clínicas, hospitais, Programa Saúde da Família, etc.); 4) as estratégias, discursos e práticas não-biomédicas desenvolvidas e utilizadas em contextos socioculturais particulares nos quais estão presentes concepções variadas sobre saúde, corpo, cuidado familiar, reprodução e sexualidade; 5) as concepções presentes nas camadas médias sobre as atribuições masculinas contemporâneas no cuidado com a família, o corpo, a sexualidade e a reprodução.

Coordenadores: 
Carlos Guilherme Octaviano do Valle (PPGAS/UFRN)
Waleska de Araujo Aureliano (Museu Nacional/UFRJ)


O Simpósio Temático 69 (Gênero, Saúde e Família: negociações com práticas e saberes biomédicos), do Fazendo Gênero 2013, está com inscrições abertas para resumos até 20 de março. O ST tem como objetivo reunir trabalhos que problematizem definições biomédicas de gênero.
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domingo, 17 de fevereiro de 2013

CLAM - A face policial do aborto


A vigilância policial contra o aborto, no Rio de Janeiro, reflete desigualdades ancoradas em diferentes marcadores sociais, atingindo de maneiras distintas a população feminina. É o que demonstra pesquisa desenvolvida pelo Instituto de Estudos da Religião (ISER) a partir do banco de dados de registros de ocorrência do Instituto de Segurança Pública (ISP), do governo do Estado. O estudo, coordenado pela socióloga Ana Paula Sciammarella e que teve como consultor o coordenador do CLAM, Sérgio Carrara, aponta como a dimensão social do aborto envolve assimetrias de classe, cor, escolaridade e faixa etária.

Tipificado como crime no Código Penal brasileiro, que data de 1940, a interrupção da gravidez só é permitida em casos de gestação resultante de estupro, quando há risco de morte à mãe ou quando o feto for anencéfalo. A ilegalidade do aborto, no entanto, não impede que esta seja uma prática de milhares de mulheres, frequentemente expostas a graves riscos de saúde em função da precariedade dos métodos e a situações igualmente perigosas de abuso dos direitos humanos. No país, de acordo com a Pesquisa Nacional do Aborto (PNA), realizada pela Universidade de Brasília e pelo Instituto de Bioética, Direitos Humanos e Gênero, em 2010, 1 em cada 5 mulheres, até os 40 anos, já realizou um aborto.

De acordo com os dados do ISP, de 2007 a 2011, foram registradas 351 ocorrências no estado do Rio, a maioria em residências (122) ou hospitais e clínicas (105), envolvendo 334 mulheres acusadas de fazerem aborto. Desse total de mulheres, 92 eram brancas e 111 negras/pardas (55% do dos casos analisados válidos, pois com frequência a raça/cor não é preenchida no registro). “Os números mostram como o aborto é um problema que está associado à cor da pele, que acaba sendo determinante na punição de camadas específicas da população. O viés da pesquisa, voltado para a atuação da força policial, traz reflexões importantes para se pensar a complexidade de fatores que estão envolvidos na questão do aborto”, afirma Angela Fontes, superintendente de Direitos da Mulher do Estado do Rio de Janeiro.
Segundo a advogada e associada na América Latina do Ipas Beatriz Galli, os dados revelam como o sistema penal é seletivo e atua com um viés moral. “Pelos dados do Rio mencionados na pesquisa do ISER, as mulheres negras e pardas representam 50,7% da população no estado. Quando olhamos para as ocorrências, esse segmento ocupa 55% dos registros. Há uma evidente sobre-exposição destas mulheres quando capturadas pelas forças da lei. O racismo está estruturado na sociedade e articula-se com outros aspectos que contribuem para a vulnerabilidade de camadas específicas da população feminina”, observa Beatriz Galli, que também é relatora nacional do direito humano à saúde sexual e reprodutiva da Plataforma Dhesca Brasil.

Um desses aspectos é a escolaridade. Dos 334 analisados, 69 (53% dos registros válidos) são de mulheres com 1º grau completo ou incompleto e 49 (37% válidos) de mulheres com 2º grau completo ou incompleto. As mulheres com curso universitário completo ou incompleto constituem 10 casos (8% válidos). “As mulheres com formação escolar precária estão em evidente situação de vulnerabilidade. A falta de um desenvolvimento educacional consistente prejudica estas mulheres, pois dificulta o acesso à contracepção, à inserção no trabalho, à saúde sexual e reprodutiva de uma forma ampla. Da mesma forma, a baixa qualificação está associada a condições socioeconômicas precárias, expondo essas mulheres à atuação seletiva da polícia. A questão do aborto não pode ser vista e analisada fora do estado de injustiça social que caracteriza o país”, salienta Beatriz Galli.

Outro fator destacado é a idade das mulheres. A pesquisa do ISER mostra que 45% dos casos registrados referem-se a mulheres na faixa dos 15 aos 24 anos, reiterando o enraizamento do aborto no quadro de desigualdades sociais. “Estas mulheres, muitas adolescentes ainda, estão desamparadas. Não têm como pagar uma clínica particular, destino preferencial de mulheres de classe mais alta. Na maioria das vezes, usam remédios para tomar em casa, sendo denunciadas por vizinhos e conhecidos ou nos hospitais por profissionais de saúde que violam o sigilo médico”, observa Beatriz Galli, chamando a atenção para as violações que ocorrem nos serviços de saúde e que vão na contramão da Norma Técnica de Atenção Humanizada ao Abortamento, lançada em 2005 pelo Ministério da Saúde e que orienta o acolhimento, atendimento e tratamento de maneira digna das mulheres que chegam aos hospitais.
Angela Fontes, da Superintendência de Direitos da Mulher, adverte que é preciso capacitar profissionais da área de segurança a lidar com mulheres que abortam. “O trabalho policial é o primeiro passo para o que pode se constituir em um longo e penoso processo judicial. O momento do registro policial deve ser feito levando-se em conta a dignidade da mulher. Sabemos que o aborto, salvo as exceções previstas, é crime no Brasil. Ainda assim, a atuação do agente policial pode significar desrespeito e abuso. Já houve casos aqui no Rio em que a mulher foi algemada no próprio hospital. A atuação das forças policiais e o cruzamento de marcadores sociais demonstram como a questão do aborto está longe de ser tratada como um problema de saúde pública que diz respeito à dignidade e autonomia das mulheres”, argumenta Angela Fontes, que se mostra otimista e esperançosa em relação aos avanços legislativos pertinentes ao aborto no país.

No Congresso Nacional tramita a reforma do Código Penal brasileiro. Pelo texto, o aborto deixa de ser crime até a 12ª semana de gestação, desde que fique comprovado que a gestante não tem condições financeiras ou físico-mentais de continuar a gestação. A pesquisa do ISER, de acordo com Beatriz Galli, reforça a importância da revisão do Código Penal. “O texto de 1940 não dá conta das desigualdades que atravessam a sociedade brasileira. O Rio de Janeiro é um exemplo disso. A abordagem de segurança pública sobre a questão do aborto expressa um grave desrespeito à autonomia e saúde das mulheres. Para além da questão evidente de que a lei pune apenas a mulher, esquecendo o papel do homem na gestação e, portanto, deixando clara a desigualdade de gênero, a criminalização do aborto não impede a ocorrência da prática. Não à toa, conforme a PNA revelou, um quinto das mulheres brasileiras já fez ao menos um aborto na vida. As violações que ocorrem na trajetória de abortamento dessas mulheres são muito graves. Por isso, a pesquisa do ISER oferece elementos para argumentarmos que a legalização e a regulamentação da interrupção da gravidez são uma necessidade. Do contrário, continuaremos convivendo com tragédias diárias, em que mulheres adquirem sequelas ou morrem por causa da repressão penal ”, conclui Beatriz Galli.


Publicada em: 16/01/2013

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sábado, 16 de fevereiro de 2013

CLAM - Além do discurso vitimizante -


Além do discurso vitimizante


Impulsionado pela abordagem da questão do tráfico de mulheres brasileiras para fins de exploração sexual no exterior, conforme apresentada na novela das 21h da TV Globo – Salve Jorge –, o jornal Folha de São Paulo publicou matéria sobre o tema na edição de domingo (9/12), mostrando as divergências que o assunto levanta. Clique aqui para ler a reportagem.
Divergências teóricas à parte, é fato que aquilo que passa na novela - mulheres enganadas, que acabam vivendo em situação de semiescravidão e obrigadas a se prostituir - não abrange ou resume as experiências de todas as mulheres que vão trabalhar no mercado do sexo no exterior. A abordagem da novela é analisada aqui no texto "Quando Jorge salva a mocinha", assinado pela pesquisadora Anamaria Marcon Verson (foto), doutoranda no Programa de Pós-Graduação Interdisciplinar em Ciências Humanas da Universidade Federal de Santa Catarina (PPGICH – UFSC) e autora da dissertação de mestrado “Rotas do desejo: tráfico de mulheres e prostituição como estratégia migratória no El País e na Folha de São Paulo (1997-2007)”, defendida em 2009 no Programa de Pós-graduação em História Cultural do departamento de História da UFSC.
No texto, escrito exclusivamente para o CLAM, ela avalia o modo como o tráfico de pessoas é tratado em produções midiáticas e mostra que a discussão em torno da questão é movida por diferentes interesses, por diversos saberes que se enfrentam numa acirrada disputa.
"O problema do discurso da "vítima enganada obrigada a se prostituir no exterior" é que ele apaga as ações de mulheres que migram voluntariamente para trabalhar no mercado do sexo e gera violações de direitos", aponta a autora.
Publicada em: 12/12/2012

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