domingo, 24 de fevereiro de 2013

De Lincoln ao Carnaval 2013: por que o papel das mulheres não evoluiu tanto assim


Candice Soldatelli
Tradutora

                  Há uma cena que leva quase todos os espectadores às gargalhadas durante a exibição do excelente Lincoln, de Steven Spielberg, em cartaz nos cinemas e candidato ao Oscar deste ano. Enquanto um dos congressistas norte-americanos tenta justificar seu veto ao projeto de abolição à escravatura, ele usa o seguinte argumento: um dia os negros teriam o direito ao voto e isso levaria, “o que seria mais horrível ainda”, ao voto feminino. O absurdo de que tal pensamento fosse normal e aceito há cerca de 150 anos leva ao riso, ainda mais diante de outras conquistas femininas tão ou mais importantes que o voto. No Brasil, por exemplo, temos uma mulher na Presidência da República. Milhões de mulheres também são chefes de suas famílias, milhares são donas de empresas e geram empregos e renda. As mulheres tornaram-se líderes, formadoras de opinião, são ouvidas, todos esses direitos inimagináveis no na época em que o filme Lincoln se passa, o que só ressalta a importância de tudo o que se conquistou entre os séculos XIX e XX.

Contudo, parece que a evolução não se deu em todas as vias possíveis e necessárias. Em pleno Carnaval, somos obrigados a ler a seguinte manchete em três diferentes importantes portais de internet: “Vice Miss Bumbum desiste de desfilar”. Junto às palavras, uma imagem que vale por várias delas: uma moça de 20 e poucos anos, o corpo coberto de purpurina, visíveis implantes de silicone espocando de seu peito, nada mais que um objeto à mostra para chamar a atenção. Próximo a essa “matéria”, várias outras imagens de mulheres praticamente nuas com legendas exaltando a “beleza da mulher brasileira”,  além da notícia de uma cantora de axé conclamando “É noite de sexo, bebê”, e de mais uma notinha achando “estranho” que uma bela atriz global tenha se fantasiado de Bruxa Má do Oeste – aquela, de O Mágico de Oz – em vez de estar usando um traje sumário qualquer.

                  O que tudo isso tem a ver com Lincoln? Simples: muitas mulheres e muitos homens a frente do seu tempo lutaram tanto para que tivéssemos direitos sobre nossas próprias vidas, contudo parece que continuamos a chamar a atenção dos outros apenas por causa de um corpo. Quão eloquente é um corpo desnudo numa folia de Carnaval? O que uma mulher diz quando sua boca cala e todo o resto se revela apto a apenas uma fantasia sexual? Como podemos viver num país que aceita – e até incentiva – o recebimento de turistas estrangeiros cujo único propósito é fazer sexo fácil com uma menina prostituta?

                  Em vez de enxergar os 150 anos que nos separam daqueles congressistas americanos horrorizados com a possibilidade de as mulheres votarem, precisamos enxergar o que levou tantas garotas a aceitarem e buscarem a posição de mero objeto sexual, chegando a ver nisso um motivo de glória e de poder, mesmo tendo um leque de possibilidades se descortinando a sua frente. A quem interessa exaltar esse tipo de mulher, como se fosse um belo adereço na página inicial? Infelizmente, qualquer mulher que ousar a questionar essa ditadura do corpo é acusada, quase que imediatamente, de frígida, mal-amada, feia, gorda, entre outros atributos sempre relacionados a uma vida sexual mal resolvida ou a uma aparência nada atraente.  

             Estão, aos poucos, desconstruindo uma força feminina que levou anos para existir, substituindo a integridade de um pensamento e da construção de conhecimento pela falsa ideia de que para ser importante basta ter um belo bumbum. Quando até a “Vice Miss Bumbum” ganha os holofotes, o que sobrou para a pobre Miss Simpatia ou para a Miss Voluntária? As garotas que buscam tomar seu tempo crescendo internamente, alimentando sua alma e seu intelecto, pouca visibilidade têm em comparação com as garotas siliconadas, sempre em destaque numa mídia aparentemente dominada por machos que, se não são tão retrógados quanto os congressistas de Lincoln, são praticamente os mesmos primatas cujos instintos de reprodução ignoraram a existência de uma lady chamada evolução.

De Lincoln ao Carnaval 2013: por que o papel das mulheres não evoluiu tanto assim

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