sexta-feira, 13 de março de 2009

A águia que vira galinha

A águia que vira galinha

Antônio Inácio Andrioli

Fonte: http://mudandoparadigmas.blogspot.com/2008/08/guia-que-quase-virou-galinha.htmlFonte: http://mudandoparadigmas.blogspot.com/2008/08/guia-que-quase-virou-galinha.htmlA idéia desta história não é minha. Meu é só o jeito de contar. Sobre uma águia que foi criada num galinheiro e foi aprendendo sobre o jeito galináceo de ser, de botar ovos, de ciscar a terra, de comer milho, de dormir em poleiros. E como todo aprendizado exige um esquecimento, ela desaprendeu o vôo nas alturas, o ar puro da montanha, a vista se perdendo no horizonte, o doce sentimento de liberdade... E como ninguém lhe falasse sobre estas coisas e todas as galinhas cacarejassem os mesmos catecismos, ela acabou por acreditar que não passava de uma galinha com perturbação hormonal. Tudo grande demais. Aquele bico curvo, sinal certo de acromegalia e desejava muito que o seu cocô tivesse o mesmo cheiro certo do cocô das galinhas. Um dia passou por lá um homem que vivera nas montanhas e viu o vôo orgulhoso das águias. – O que faz você aqui? Ele perguntou: – Este é o meu lugar, ela respondeu. Todo o mundo sabe que galinhas vivem em galinheiros, ciscam o chão, botam ovos e finalmente viram canja. Nada se perde, tudo se transforma, utilidade total. – Mas você não é galinha, ele disse. É uma águia! – De jeito nenhum. Eu nem sequer voar sei. Pra dizer a verdade, nem quero. A altura me dá vertigem. É mais seguro ir andando passo a passo.E não houve argumento que mudasse a cabeça da águia esquecida. Até que o homem não mais agüentando aquela coisa triste de uma águia transformada em galinha, agarrou a águia à força e a levou até o alto de uma montanha, atirando-a bruscamente lá de cima do abismo. A pobre água começou a cacarejar de terror, voando rasteira em bruscos zig-zags. Mas depois, pouco a pouco, com tranqüila dignidade, esticou o pescoço para cima e para frente e começou a plainar bela, confiante e cada vez mais alto, até fundir-se no azul do firmamento. Aí ela compreendeu enfim que seu nome não era galinha, mas águia. Esta história foi escrita na África, um profeta dizendo aos seus seguidores: – Vejam a que estado os brancos nos reduziram, águias que andam como galinhas. É preciso aprender a voar de novo” (Rubem Alves).

Diferente de tantas outras versões reescritas para essa lenda, parte-se aqui de uma constatação histórica: inúmeras águias viraram galinha depois que passaram a dedicar-se inteiramente ao seu instinto reprodutivo, esquecendo-se de voar mais alto. O mais impressionante não é a constatação; mais forte parece a previsão fatal feita pelas galinhas para as águias de que não haveria outro destino mais nobre para elas do que se dedicarem a chocar ovos, ver seus filhos nascerem e contentarem-se com a idéia de que a maior contribuição que podem dar ao mundo, enquanto estão vivas, é preparar as águias pequenas a seguir o que suas mães, avós, bisavós e todas as gerações antepassadas previam: águia nasceu para ser galinha e seu instinto natural de procriar se sobrepõe ao seu desejo de voar. O tempo lhes daria razão, afinal, são tantas as histórias de águias que voaram alto na juventude e deixaram seus vôos relatados e escritos, para servirem de substrato para nostalgias presentes e futuras. O que importa, entretanto, é que já não são mais águias e que toda águia que se casa com um galo, tendencialmente, se transforma em galinha. Em seus inúmeros momentos de justificação, os relatos da transformação chegam a ser dogmáticos e apelativos: não se trataria de uma opção da águia, seria seu instinto que a levaria a ser galinha. Sua dedicação em influenciar as águias pequenas, entretanto, nega sua convicção naturalizada. Afinal, se é por instinto que a transformação acontece, por que, então, tanto esforço para convencer as águias? Por que tantos rituais? Por que tantas recomendações e, principalmente, por que tanto engajamento em prol da legitimação ideológica de algo que já por si estaria dado e, se ainda nao fosse o caso, seria mera questão de tempo? Mais absurda parece a condenação ao inferno das poucas águias que insistem em voar alto, mesmo depois de velhas e, pasmem, algumas delas mesmo depois de terem chocado seus ovos e cumprido a suposta fatalidade de reproduzir galinhas! Por que a presença dessa minoria de águias, que ainda vôam, incomoda tanto as galinhas, ocupadas em chocar ovos e transmitir suas regras de incubação às demais? Parece que as águias continuam desafiando as galinhas, quando estas já passaram do tempo de virar galinhas, resistindo à domesticação, ao trabalho exclusivo do lar ou, pior ainda, quando depois de terem experimentado a sua fase chocadeira ainda não desaprenderam a voar, nem esqueceram seu desejo de subir para além das montanhas. Nessa hora, as galinhas parecem, elas mesmas, terem esquecido suas dogmáticas lições relativas ao destino das águias, do seu instinto natural em reproduzir. Passam a atacar as águias, moralizando e condenando-as, não escondendo o seu profundo sentimento de indignação com o comportamento desviante da minoria que parece mais uma ameaça: e se as águias não fossem mais uma minoria e sua existência influenciasse as demais a ponto de não haver mais galinhas? Que horrível seria o mundo sem chocadeiras” reclamam elas. Como são egoístas as águias, pensando apenas em si, ao invés de seguirem sua vocação natural de procriarem como galinhas?” Mas, será que não seria mais lógico o contrário, a versão das águias: o maior egoísmo é o das galinhas que, em seu pretenso discurso de solidariedade com o mundo, apenas procuram esconder seu desejo de garantir que haja herdeiros para os bens acumulados pelos galos?” As galinhas chegam a afirmar que com seus catecismos contribuem para a humanização. Esquecem-se, no entanto, que a humanização é fruto de relações sociais mais humanas e não da aplicação dos princípios da reprodução. E se as relações sociais entre águias permitissem uma maior humanização do que o cotidiano das galinhas chocadeiras? Nesse caso, as galinhas deveriam se arrepender do tempo em que ficaram presas aos seus ninhos e poderiam tentar, ao menos em seu pouco tempo de vida ainda restante, reaprender a voar e reproduzir-se como águias. Essa idéia assusta, incomoda e atordoa. Mais fácil parece ser a inquisição das águias, a condenação das que voam e a fuga da tentação de negarem a si mesmas e a sua tradição chocadeira. Em tempos modernos, as águias continuam existindo e parecem ter aumentado. As galinhas, acostumadas aos seus cacarejos, parecem cada vez mais indignadas: o seu apelo ao instinto e à naturalização das galinhas, assim como sua devoção às chocadeiras começaram a ser abaladas. E, diferente das outras histórias sobre águias e galinhas, são as galinhas que começam a perceber que o seu tempo já passou… http://www.espacoacademico.com.br:80/094/94andrioli.htm

Coletivo de Entidades Negras: Lançada a 2ª Conferência de Igualdade Racial

Coletivo de Entidades Negras: Lançada a 2ª Conferência de Igualdade Racial

Feminismo de D. Mone Querbemvoar

Feminismo de D. Mone Querbemvoar

A grande faceta do 8 de março consiste no reconhecimento e exaltação de todas as lutas e conquistas políticas, econômicas e comunitárias protagonizadas pelas mulheres no cenário internacional. Sua simbologia no calendário ratifica as inúmeras potencialidades desta categoria humana a qual o patriarcado racista, capitalista, confessional e lesbofóbico se empenha a invisibilizar.

Deste modo, “obsclarecem” as opressões destinadas às Rosas encarceradas na Penitenciária Feminina sofrendo o crime de racismo institucional expresso pelo abandono familiar, pela esterilização, hipertensão, diabetes, outrora, também manifestadas por meio de abusos sexuais e seletividade racial neste espaço onde negras e não-negras estão em condição de desigualdade haja vista que, segundo o Estado Penal, esta população não é “flor que se cheire”.

Esta ideologia colonialista e patriarcal é arrogante ao feminismo de mulheres que se parecem socialmente com Dona Joana, que acorda às 3h da manhã para vender na Feira de São Joaquim e, quando seu marido vem colocar banca, ela diz com honra: “comigo homem, você tem que mijar abaixado porque quem manda no meu barraco sou eu”.

A resistência feminina em oposição ao androcentrismo também está flagrada no momento em que a lágrima de Dona Amélia demora a cair ao refletir que neste seu momento de invalidez produtiva e de enfermidade irreversível, o tal marido descobriu que não era ela, a mulher que ele pediu a Deus. Em direção ao sagrado habitam também os pecados praticados pela Igreja e pelo seu guardião, o Estado Brasileiro, ao oportunizar que jovens pobres morram em conseqüência do aborto ilegal e desumanizado decorrente da negação dos direitos sexuais e reprodutivos das mulheres brasileiras.

Não obstante, em outra geração, as lágrimas das mulheres de comunidades vulnerabilizadas se confundem com as chuvas trazidas pela mãe Yansã que, igualmente, chora seus filhos mortos pelos grupos de extermínio, assassinados pela polícia e pelas clínicas clandestinas que compactuam a mesma vontade cruel de interromper a vida das mulheres no aspecto subjetivo e físico como se estas estivessem geograficamente naquela fábrica da Triangle Shirtwaist em Nova York.

Contudo, na trincheira da resignação, as mulheres conquistaram seus votos na cidadania representativa; assumiram prazer e amor pela suas semelhantes; ensejaram políticas públicas focadas em gênero; clamaram a equiparação salarial e passaram ‘ânus’ de revista vexatória ao visitar seus companheiros aprisionados.

Em dias atuais as mulheres mantêm-se firmes e fortes trançadeiras de raiz, chefiando famílias, lavando as impurezas do mundo, no trabalho doméstico, na socialização de saberes e por último, na linha de frente da tecelagem por um modelo de relações sociais igualitárias e poderosamente revolucionárias.

Enviado por Carla Akotirene
Coordenação do Fórum Nacional de Juventude Negra/Ba
Articulação Brasileira de Jovens Feministas
Conselheira Municipal da Comunidade Negra de Salvador
Coordenadora do Centro de Promoção da Igualdade