sábado, 28 de novembro de 2009

Violência é a maior causa de morte de mulheres na gestação e puerpério no Brasil

 A Rede Feminista de Saúde se soma à Rede de Saúde das Mulheres Latino-americanas e do Caribe - RSMLAC e ao movimento de mulheres, para denunciar firmemente as violências cometidas contra as mulheres de todo o mundo, particularmente as mulheres brasileiras. O Dia 25 de Novembro é consagrado à Não Violência Contra as Mulheres, no entanto esta continua sendo a primeira causa de morte de mulheres no período de gestação e puerpério, segundo os comitês de morte materna. Homicídios e suicídios somados superam todas as outras causas, segundo o estudo A Mortalidade e Mulheres de 10 a 19 Anos, com ênfase na Mortalidade Materna, do médico Ruy Laurenti, da Faculdade de Saúde Pública da USP. Pesquisa do médico Cristião Rosas, da Febrasgo, mostra que acabar com a própria vida tem sido a alternativa de muitas mulheres que, sem opção de escolher, preferem morrer a seguir com a gestação não desejada.
Os levantamentos existentes mostram que a cada 15 segundos uma brasileira é alvo de uma forma de violência física, psíquica, sexual, patrimonial e institucional, como as classificam a Convenção de Belém do Pará (1995) e a Lei Maria da Penha (2006). Embora a denúncia desta forma de violência a cada dia se amplie, ainda persistem elevados níveis de não aceitação e intolerância social, como aqueles vistos no caso da jovem paulista Geisy Arruda, o que indica a necessidade de exigir políticas públicas eficazes e um amplo trabalho para desnaturalizar a violência de gênero. Desafiar os padrões culturais que a potencializam e também promover na sociedade uma reflexão de que a mesma constitui uma violação aos direitos humanos e um obstáculo para a cidadania.
Em relação às políticas públicas, a Rede Feminista vem participando do esforço pela concretização da Lei Maria da Penha em todos os seus aspectos, para que cumpra seu papel de punir, prevenir e de fato erradicar a violência. Além da ação de cada uma de suas filiadas, participa do Observatório pela Implementação desta Lei e das pressões para que os governos federal, estaduais e municipais façam investimentos e que seja executado o orçamento da União destinado ao combate à violência contra as mulheres.
Segundo as informações obtidas durante o 14º Fórum Interprofissional sobre a Violência Sexual e o Aborto Previsto em Lei, realizado pela Rede de 14 a 16 novembro último, em parceria com a Febrasgo, Cemicamp (Unicamp) e Ministério da Saúde, o país dispõe hoje de 428 delegacias especializadas para mais de 5 mil municípios, a maioria concentrada na região sudeste do Brasil; 138 centros de referência, 68 casas abrigo, 442 serviços de saúde que atendem mulheres vítimas de violência sexual, 64 juizados especiais e 41 defensorias públicas especializadas.

VISÃO INTEGRAL   
A Rede Feminista de Saúde alerta permanentemente que além da punição dos agressores, é necessário ofertar às mulheres apoio necessário para que consigam romper com relações violentas, fortalecendo- as econômica e socialmente, e inseri-las em redes de atendimento onde encontrem a atenção à saúde física, psíquica e que contemplem seus direitos sexuais e reprodutivos. No Brasil, a violência é a primeira causa de morte de mulheres no período da gestação e puerpério, inclusive em Porto Alegre e no Rio Grande do Sul, no entanto estes dados não constam das estatísticas de morte materna, ficando invisíveis.
Segundo o Relatório Mundial sobre Violência e Saúde (OMS, 2002), principal referência e consenso mundial sobre o tema, as mulheres que passaram por abuso físico ou sexual na infância ou na fase adulta desenvolvem mais problemas de saúde do que as outras mulheres. Elas são mais predispostas ao adoecimento psíquico, ao desenvolvimento de comportamentos de risco, o que incluiria maior adesão ao tabaco, à inatividade física e abuso de álcool e drogas.
Ao ter um histórico de violência, as mulheres desenvolvem tendência a depressão, tentativas de suicídio, síndromes de dor crônica, distúrbios psicossomáticos, lesão física, distúrbios gastrintestinais, síndrome de intestino irritável, diversas conseqüências na saúde reprodutiva. Em relação aos impactos sobre a saúde reprodutiva, as mulheres que vivem com parceiros violentos passam por dificuldades para se proteger contra gravidez indesejada ou doenças A violência pode levar diretamente à gravidez indesejada ou a infecções sexualmente transmitidas, inclusive infecção por HIV, através do sexo forçado, ou ainda indiretamente, ao interferir na possibilidade de uma mulher usar contraceptivos, inclusive preservativos.
Este conjunto de adoecimentos relacionados à violência doméstica leva, segundo o Relatório da Organização Mundial da Saúde, à super-utilizaçã o dos serviços de saúde, elevando seus custos. “Em média, as vítimas de abuso passam por mais cirurgias, consultas médicas, internações em hospitais, idas a farmácias e consultas de saúde mental durante sua vida do que as que não são vítimas, mesmo depois de controlar os potenciais fatores de frustração”, diz este estudo.
Em relação à violência sexual, estudo coordenado pelo médico Aníbal Faúndes, da Unicamp em 2008, em parceria com a Federação Brasileira de Ginecologia e Obstetrícia e Ministério da Saúde revelou que dos 884 hospitais e pronto-socorros que declaram realizar todos os procedimentos preconizados pelas Normas Técnicas do Ministério da Saúde, apenas 430 os realizavam de fato (48%), e apenas 107 de 807 haviam feito atendimentos completos, com a interrupção da gestação prevista em lei, nos últimos 10 a 14 meses que a pesquisa enfocou.
Este conjunto de elementos comprova também a dimensão da violência como um grave problema de saúde pública a ser enfrentado no mesmo patamar do acesso à segurança pública e à justiça, dado o efeito prolongado da violência de gênero na saúde das mulheres, seja física, psíquica, sexual ou reprodutiva e a perda de anos de vida saudável, um a cada cinco vividos em violência (BID, 1997). E que a Lei Maria da Penha não está sendo cumprida no que tange à prevenção à violência e atendimento às mulheres que se encontram nesta situação, persistindo um quadro de violação do direito humano à saúde e à dignidade.
São inegáveis os enormes avanços obtidos ao longo das últimas décadas, quando as primeiras delegacias para mulheres foram instituídas, símbolos na luta contra a violência de gênero. Casas abrigo, centros de referência, redes de atendimento se proliferaram. No entanto, tais políticas ainda se mostram insuficientes e muitas vezes ineficazes frente às resistências para o cumprimento da legislação. A Lei Maria da Penha estabelece a criação de delegacias especializadas, juizados especiais, defensorias públicas, e redes intersetoriais. Estes mecanismos aos poucos entram nas agendas públicas, mas estão muito aquém do necessário, segundo o número de denúncias conhecidas.
Considerando- se que apenas a Central 180 atendeu 240 mil denúncias em 2008 e que de janeiro a junho desse ano registrou 161.774 atendimentos - um aumento de 32,36% em relação ao mesmo período do ano passado, quando houve 122.222 atendimentos, pode-se ter uma idéia da distância existente entre a magnitude a violência contra as mulheres e os serviços ofertados. A qualidade do atendimento e a efetividade vem sendo também problematizados, pois uma ínfima parte das queixas policiais resulta em inquéritos, denúncias ao Ministério Público e chegam efetivamente a julgamento.




 A Rede Feminista de Saúde enfatiza a criação e fortalecimento de redes integrais de atenção à mulher em situação de violência
·          O enfoque da saúde na prevenção e enfrentamento da violência de gênero e sua priorização no SUS.
·          A capacitação de agentes públicos para acolher e atender mulheres com, base nos seus direitos.
·          A ampliação de serviços, entre os quais, os serviços para atendimento à violência sexual, de acordo com a Norma Técnica de Atenção aos Agravos à Violência Sexual (acolhimento, HIV e outras DSTs, anticoncepção de emergência e interrupção da gestação).
·          A garantia da anticoncepção de emergência sem restrições, a todas as mulheres e adolescentes.
·          A ampliação do uso do Misoprostol (Citotec) acessíveis às mulheres.
·         O desenvolvimento de serviços para a redução de danos ao aborto inseguro.
·         A legalização do aborto e o fim da criminalização das mulheres.
·         A criação de um indicador de violência na razão dr morte materna.
·         A execução orçamentária destinada à violência contra as mulheres.
A RSMLAC e a Rede Feminista de Saúde defendem que em pleno século 21, as mulheres não podem seguir sendo cidadãs de segunda classe. Este 25 de Novembro coincide com a comemoração dos 30 anos da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher – CEDAW, os 15 anos desde que foi adotada a Convenção Interamericana para Prevenir, Sancionar e Erradicar a Violência contra a Mulher, “Convenção de Belém do Pará”, dois instrumentos de significativa importância no apoio à proteção de direitos humanos das mulheres de todo o mundo, bem como a discriminação de que sofrem.