Vamos começar com um conceito básico, mas muito esquecido em discussões como essa: comunicação é poder. Tudo o que é falado nos meios de comunicação de massa (rádio, televisão, etc.) já nasce poderoso em diversos aspectos. Um dos mais visíveis é o poder de convencimento. A publicidade investe fortunas no rádio e na TV porque sabe do poder de convencimento dessas ferramentas – sabe que pode estimular o consumo até mesmo de coisas que jamais precisaríamos comprar. Comunicação é poder, que nenhum leigo duvide disso.
Em segundo lugar, tudo o que aparece na mídia é também o reflexo da sociedade em que vivemos. A mídia tem essa tendência de refletir comportamentos e atitudes que estão mais ou menos enraizados na nossa cultura. Existem momentos em que a mídia transcende essa função de espelho? Sim. Existem seriados, esquetes, programas de humor, documentários que até podem conseguir essa proeza. Mas não é a regra geral. Regra geral é que quem trabalha com TV ou rádio lida com segmentações de mercado (A, B, mulher, homem, criança, adolescente), mas sempre em busca da audiência. E pensar audiência é sempre um princípio meio conservador – poucos nessa área querem correr o risco de ser “vanguarda” pois apresentar alguma coisa fora do padrão pode significar pouca audiência (que em TV comercial se traduz como falta de grana, fracasso).
Quando vamos discutir se podemos usar ou não a imagem estereotipada e abusiva de uma mulher numa propaganda de cerveja temos total direito de discutir o porque desse uso. Discutimos não só o uso da imagem, mas toda uma cultura, todo um comportamento que está ali refletido e reforçado. Quando vamos discutir a imagem de uma mulher num programa humorístico, estamos falando não só do programa, mas de relações sociais que queremos debater e transformar. Existe uma violência simbólica de gênero nos meios de comunicação que precisa ser tão discutida quanto a violência de gênero mais evidente, “concreta” – até porque muitas vezes uma legitima a outra. Quando uma mulher apanha dentro de casa muitas violências simbólicas anteriores já ocorreram.
“violência simbólica de gênero, uma
forma de violência que é, indubitavelmente, uma das violências de gênero
mais difíceis de detectarmos, analisarmos e, por isso mesmo,
combatermos. Talvez até mesmo porque o ‘bombardeio’ é tanto, de todos os
lados, que acabamos ficando anestesiadas, inertes, impassíveis,
incapazes de percebê-la, bem como o seu poder destruidor.” Lucia Leiro em Discurso, Cerveja, Gênero e Raça.
Quando queremos discutir a nudez feminina nos programas de auditório,
peças publicitárias e entre outras “atrações” televisivas não estamos
discutindo a moralidade da mulher que recebeu um cachê para aquele
papel: estamos discutindo que tipo de nudez foi construída para aquela
mulher representar. Queremos questionar se mulher só pode ficar nua se
for jovem, magra, “bonita” sob a segurança de um holofote de um programa
de TV. Sim, porque se uma mulher comum escolhe uma roupa sensual para
ir a uma festa e resolve beber até cair ela corre o risco de ser tomada
como uma vadia, merecedora até de estupros.Se a sensualidade for apenas a vontade de uma mulher, esse comportamento é censurado, e a mulher recebe o rótulo de “mulher fácil”, sem valor algum. Se a sensualidade é socialmente construída pela publicidade, para o específico olhar de uma audiência, para vender um produto (cerveja, por exemplo), o comportamento não só é permitido como a mulher que o exerce ainda recebe remuneração e admiração.
“a mulher tem uma posição ambígua na
sociedade porque ela acabou concedendo a sua liberação e a sua
emancipação em termos masculinos e não femininos.” – Olgária Matos em A mídia e a mulher.
Por todos esses motivos precisamos lutar para democratizar a
comunicação e batalhar por mecanismos legais para que as mulheres não
apareçam na mídia apenas como objetos, mas também para que possamos
reagir a esses ataques simbólicos nos mesmos meios em que eles são
feitos. Precisamos ocupar esse espaço que é tão dominado por uma
liberdade comercial que na prática só mostra as mulheres em condições
limitadoras.Não podemos nos intimidar com as vozes que querem nos calar, nos fazendo acreditar que este é um tema menor ou menos digno. Esse tema é nosso, é a nossa vida, é a nossa liberdade, é a nossa diversidade, é a nossa saúde, a nossa segurança… É o nosso poder!
Nos dias 9, 10 e 11 de fevereiro vai acontecer o 1° Encontro Nacional sobre o Direito à Comunicação – e ali vai ter um grupo de trabalho discutindo gênero e mídia – veja a programação. Para saber mais sobre os movimentos de democratização da comunicação no Brasil, acompanhe também o Coletivo Intervozes.
fonte Blogueiras Feministas
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