Clara Roman, da Carta Capital
Mal assumiu o cargo e a nova ministra da Secretaria de Política para Mulheres, Eleonora Menicucci, já foi colocada entre a cruz e a espada. De um lado, a gritaria de parte da opinião pública, representada sobretudo pela bancada religiosa do Congresso, que há anos trava a discussão sobre a descriminalização do aborto no País. De outro, a militância assídua de movimentos sociais que lutam no sentido oposto – e cobram avanços na discussão.
Ao mesmo tempo em que a presidenta Dilma Rousseff, vítima do medievalismo do debate desde a campanha eleitoral, relega o debate para o Legislativo, resoluções da sociedade civil tiradas na Conferência Nacional de Políticas para as Mulheres, no fim de 2011, exigem uma postura do Executivo.
“Desde a primeira Conferência, a pauta da descriminalização do aborto é votada pelas mulheres como uma das diretrizes a ser implantadas”, diz Rosângela Talib, da ONG Católicas pelo direito de decidir.
Mas, desde 2005, quando a Secretaria de Políticas para as Mulheres elaborou um projeto de lei e encaminhou para o Congresso Nacional propondo a descriminalização do aborto, o governo se eximiu de novas tentativas.
“Nunca se conseguiu que o projeto avançasse lá [no Congresso]”, explica ela.
“O abortamento é uma questão de saúde pública, para além da questão ideológica e moral. Mulheres estão morrendo por fazer abortamento inseguro. Favorecer a possibilidade das mulheres continuarem vivas é uma pauta do Ministério da Saúde”, acredita Rosângela.
Apesar de católico, o movimento não tem ligação com a bancada religiosa no Congresso Nacional – que, segundo o movimento, ainda imprime uma visão muito conservadora em relação aos direitos reprodutivos das mulheres.
Meniccuci já enfrentou seu primeiro paredão quando, em entrevista ao jornal Folha de S. Paulo, afirmou ser favorável ao aborto. Depois, consertou com a análise oficial do governo. “Minha posição pessoal já não interessa. A matéria da legalização ou descriminalização do aborto é uma matéria que não diz respeito ao Executivo, mas ao Legislativo”, completou.
No sentido oposto ao da descriminalização, projetos querem proibir até mesmo os casos de aborto já permitidos no Código Penal, como os casos de estupro ou que a mãe corre risco de vida com o nascimento.
Entre eles, o mais famoso é o Estatuto do Nascituro. Elaborado pelo deputado Luiz Bassuma (PV) e Miguel Martini (PHS), o projeto de lei visa garantir alguns direitos aos fetos.
“Nascituro é o ser humano concebido, mas ainda não nascido”, defende.
Assim, o “nascituro” adquire responsabilidade jurídica e todos direitos assegurados ao cidadão.
O projeto prevê prisão de até três anos para mulheres que praticarem o aborto. Além disso, impossibilita o procedimento em casos de estupro. Para compensar, a mãe recebe uma “bolsa-estupro” de quem a violentou, paga pelo estuprador ou pelo próprio estado, caso este não seja identificado. O deputado Jean Wyllys (PSOL-RJ) é o relator do projeto desde o final de 2012, na Comissão de Finanças e Tributação.
Desde então, o nome nascituro causa arrepios em militantes de movimentos feministas. Foi esse o termo utilizado na Medida Provisória 577, lançada pela Presidência da República e que institui um cadastro obrigatorio para as grávidas.
O nome irritou os movimentos sociais. Depois da pressão desse setor, o ministro da Saúde, Alexandre Padilha, decidiu pela retirada do termo. O anúncio foi feito na reunião do Conselho Nacional de Saúde, que contou com a participação dos movimentos sociais ligados a causa da mulher.
“O nascituro criava uma brecha jurídica porque punha o feto como um sujeito de direitos na lei”, diz Talib. Ela argumenta que o próprio STF considerou o cidadão apenas depois do nascimento, ao julgar as pesquisas com células-tronco. Apesar da vitória, Talib aponta que o cadastro, que tem o intuito de melhorar as condições do pré-natal das mulheres grávidas, pode servir para o controle de abortamentos ilegais.
Nesse cenário, a ministra Eleonora Menicucci é a parceira solitária dos movimentos sociais no governo.
“Foi uma grata surpresa a Leo [Eleonora] assumir a Secretaria de Políticas para Mulheres, ela é uma profissional muito gabaritada, muito presente no movimento, nossa parceira do movimento social”, lembra Talib.
Mas sozinha, afirma a militante, ela não pode fazer nada. “Ela tem uma pauta para colocar em ação”, afirma Talib, em referência às diretrizes tiradas na última Conferência Nacional de Políticas para as Mulheres. Mesmo assim, Talib acredita que a ministra imprimirá sua marca em suas ações na secretaria.
* Publicado originalmente no site da Carta Capital.
(Carta Capital)
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