quinta-feira, 1 de julho de 2010

O Estatuto da Igualdade Étnica não ousa dizer a que veio

por Luiz Paulo Ferreira Nogueról - UNB

Faça o seguinte experimento: usando 20 bolas idênticas com a exceção da cor, ponha 19 negras e 1 branca em uma urna e, por cem vezes, retire aleatoriamente uma delas, anote a cor e a devolva. Ao término das cem vezes, você terá aproximadamente o seguinte resultado: em 5% das vezes as brancas terão sido apanhadas e em 95% terão sido as negras. Repita o experimento 200 ou 300 vezes e quanto maior for o número de sorteios, mais próximo você estará do resultado mencionado. Se, porém, ele não for alcançado, caberia investigar o que estaria interferindo na aleatoriedade do experimento.

A sociedade brasileira, ao realizar o mesmo experimento, discrimina segundo as raças porque, em diferentes atividades e segmentos, a proporção de cada uma delas não é a mesma da população. Por exemplo: na população carcerária estão sobre representados os negros; na população de atrizes e modelos estão sobre representados os louros.
O Estatuto da Igualdade Racial, proposto pelo senador Paulo Paim (PT-RS) e emendado pelo senador Demóstenes Torres (DEM-GO) representa um tímido avanço para tornar aleatórios, com relação à raça, os critérios para a distribuição das pessoas nas diferentes funções sociais. Elaborado em benefício dos negros brasileiros, no que se incluem os pardos, mas não os índios (objetivamente em piores condições de vida, segundo os dados da Pesquisa de Orçamento Familiar elaborada pelo IBGE em 2003), mudou de nome pela intervenção do senador goiano: para não incentivar a discriminação, excluíram-se os termos raça e racial, passando a chamar-se estatuto da igualdade étnica.
Por trás do voto do relator há algo que vai além do mero jogo de palavras. Nele se encontra uma velha característica do racismo brasileiro: a de não ousar dizer o próprio nome, ao contrário do racismo norte-americano. Por exemplo, em Ordem e Progresso, livro de Gilberto Freyre publicado na década de 1950 com base em entrevistas feitas em um período de mais de 30 anos, o sociólogo pernambucano, entre outras, fazia duas perguntas aos entrevistados: 1) você é racista? 2) você permitiria que uma filha tua se casasse com um negro? A resposta às duas era, quase sempre, a mesma: não, havendo quem acrescentasse à segunda resposta o motivo: cada qual com seu igual.
As práticas racistas brasileiras, nascidas com a formação da América Portuguesa, transformaram-se ao longo do tempo e é inegável que parte da sociedade, com ou sem o estatuto, procura combatê-las reconhecendo-lhes os efeitos e assumindo tal combate em práticas cotidianas diversas.

Ao eliminar os termos raça e raciais e ao afirmar no relatório que “por nunca ter havido a segregação das pessoas por causa da cor, foi possível criar um sentimento de nação que não distingue a cultura própria dos brancos da cultura dos negros”, o senador do Democratas (ex-PFL) contribuiu para que até no mais específico instrumento legal dedicado ao combate ao racismo no Brasil se negue o problema que se procura combater, o que é fiel às tradições brasileiras.
 

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