Alzira Rufino(*)
Vivendo num país extremamente racista, que é também um dos campeões da impunidade dos agressores de mulheres, nós, mulheres negras, estamos sob a mira da violência doméstica, sexual e racial, violências e discriminação agravadas pela exclusão econômica.
Falta, no entanto, ao movimento de mulheres negras bagagem para uma discussão em profundidade sobre a relação entre violência doméstica e racismo e suas conseqüências na saúde da mulher negra. Falta o Movimento Negro discutir a Violência Doméstica praticada no seio da família .
Temos um sistema de saúde conivente com a história do racismo. A atitude do/a profissional de saúde ainda nos reporta ao tempo da escravidão em que mulheres negras não podiam se recusar a satisfazer os desejos e caprichos de homens sem rosto, sem se importar com as lesões e feridas do abuso e da violência.
Negonas, ontem e hoje, sem nome ou sobrenome.
A perversidade do racismo e machismo do sistema de saúde referenda a morte de mulheres, com um diagnóstico que não traz a violência doméstica e sexual nem o racismo para o atestado de óbito como causa principal.
Desrespeitando sintomatologias e banalizando seu sentir e suas denúncias.
Nós, do movimento de mulheres, e em especial do movimento de mulheres negras, temos que ter mais exigências no planejamento das políticas de saúde, ressaltando a necessidade urgente da inclusão da violência doméstica como um dos pavios de explosivos da destruição psicológica e física da população feminegra.
Chegamos num tempo em que a violência contra a mulher não pode significar apenas números a mais no quadro da morbidade e da mortalidade nacional.
Chegamos num tempo em que os movimentos sociais que defendem tantas bandeiras não podem mais tolerar cenas de mulheres de olho roxo, hematomas internos e externos, numa violência sem diagnóstico.
Em nossa trajetória metemos sim a colher e conseguimos salvar muitas vidas de mulheres de todas as cores.
É preciso encorajar as mulheres negras a denunciar e o Movimento precisa articular ações conjuntas obrigando do ESTADO a dar as estruturas necessárias de apoio e proteção para as sobreviventes da Violência Doméstica que rompem o silêncio.
Não podemos enquanto mulheres negras continuar com a idéia machista pré concebida dentro do Movimento Negro de que a mulher negra não pode denunciar o companheiro que a agride por conta que a Justiça será mais perversa com ele por conta do racismo.
Não podemos enquanto mulheres negras continuar com a idéia machista pré concebida dentro do Movimento Negro de que a mulher negra não pode denunciar o companheiro que a agride por conta que a Justiça será mais perversa com ele por conta do racismo.
Nós, mulheres, vivemos o sol do dia e a noite do medo em todos os mundos, em todas as luas, em todo o estar. Medo entre o mel e o fel.
Reativar a auto-estima, as denúncias, intervir. Não gostar disto ou de tudo isto.
Separar. Positivo, negativo.
Saber que somos o sangue real da criação.
Alzira Rufino
(*) Feminista, escritora, profissional de saúde, ialorixá, fellow da Ashoka, editora da Revista Eparrei e Boletim online; diretora-fundadora da Casa de Cultura da Mulher Negra, onde coordena um serviço de orientação jurídica e psicológica para mulheres em situação de violência e racismo. Entre 1995 e 1998 foi secretária-executiva da sub-região Brasil da Rede Feminista Latino-americana e do Caribe contra a Violência Doméstica e Sexual. Autora de publicações sobre a mulher negra, violência doméstica ,saúde e questões raciais.
Fonte: AFROBRAS
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