segunda-feira, 25 de fevereiro de 2013

Histerectomia, um relato


Lia Mara Mayer- Blogueiras Feministas 


No final de janeiro, Lia Mara nos escreveu:
Gostaria de compartilhar com voces um desabafo… precisei fazer esse mês uma cirurgia de histerectomia e ouvi tantas coisas absurdas acerca disso, em relação ao meu corpo, a minha autonomia enquanto mulher, a minha condição de pessoa que resolvi desabafar.
O texto foi escrito de modo bem informal, numa linguagem coloquial, mas que deixa claro o que senti e o que imagino ser o pensamento hipócrita de uma grande maioria ainda.
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Texto de Lia Mara Meyer
….Quando atendi ao telefonema já senti um frio na espinha… sabia que seria para explicações intermináveis… procurei não deixar que aquelas palavras me ferissem tanto, que me apedrejassem como se estivesse cometendo um crime, mas estava sendo uma conversa pesada, imposta…. como se a partir desse momento eu não fosse mais útil a seu filho (meu marido), eu não pudesse procriar mais, e isso o indignava cada vez mais (meu sogro).
Como pode uma mulher sem útero ser útil? Ele me questionava o fato de ter tido somente um filho, ou seja, eu estou dando fim a linhagem familiar, pelo menos nesse momento. Isso era inadmissível ao patriarca. Tento esclarecer que essa é uma decisão que cabe a mim e é clara, tanto por condições econômicas, como sociais, como de saúde e psicológicas. Sim! O corpo é meu. A decisão é minha, nesse caso em conjunto com meu marido, mas com prevalência da minha vontade.
Eu ainda escuto entoar em meus tímpanos, meu sogro falando em tom alto que essa decisão deve ser por duas questões: Ou estou escondendo uma doença muito grave , ou é coisa que enfiaram na minha cabeça por “ter estudado tanto”. Fala que o marido é que decide quantos filhos ele pode sustentar, ele (meu sogro) no caso teve quatro filhos, mas foi ele que decidiu. Onde andava meu marido (filho dele) que não me impedia de fazer a cirurgia?

Como não se revoltar com pessoas assim, que ainda de acordo com outra mulher (minha sogra), dizem em alto e bom tom que devo ter algum problema em não querer ter outro filho, com tantos avanços da medicina? Que serei infeliz, e pior, que estou impedindo os outros de serem felizes.
Como convencer uma pessoa de 70 anos que estou sendo submetida a uma histerectomia aos 39 anos por ter endometriose avançada ? Como não se indignar com as imposições a que tenho que escutar, quando minha fala é a todo momento interrompida por um discurso paternalista, egoísta e agressivo. Minha indignação era compatível com minha curiosidade em ver onde o discurso dele chegaria.
Alguém me diga onde esta escrito que maternidade é sinônimo de felicidade, por favor!!
Onde esta o respeito, a tolerância, a compreensão de que meu corpo, minha saúde e minhas decisões cabem somente a mim?
Hoje tive a experiência real da violência psíquica com que sofrem mulheres em situações parecidas, que se tornam improdutivas como reprodutoras e não tem mais serventia para a sociedade (isso pelo discurso moralista da sociadede), ou que resolvem simplesmente não serem mães. São discriminadas, agredidas, vítimas de uma sociedade hipócrita que só reproduz o que os séculos já mostram – paternalismo pondo a prova seu direito sobre o corpo feminino. Estupros, mortes, violência doméstica, abusos, violência psicológica, todos os tipos possíveis, infelizmente tem em seu quadro quase sempre um homem.
Mas não acabou aí a conversa… para finalizar, escutei de meu sogro que esta “assustado” comigo e, que vai rezar para nada de pior acontecer, porque estou me atirando de uma ponte sozinha, mulher sem útero não vive muito tempo, porque “seca por dentro”.
Complemento com a ligação de uma “amiga” me perguntando…”como esta sua cabeça? Porque viver sem útero deve ser muito difícil, afinal, é sua essência que não existe mais”. Indignada, e sem vontade de responder a uma questão absurda dessas, disse que estava cansada, queria me deitar e desliguei. Me nego a conversar partindo de uma premissa tão revoltante.
Tomo essa conversa como um motivador para avançar nos estudos de gênero, porque ser mulher sempre foi, sempre será uma questão muito mais abrangente do que uma questão de gênero. Seria como se fossemos a grosso modo divididas em putas, santas, mães, parideiras, domésticas, loucas, lésbicas, ou então… bem… definições é que não faltam aos homens para “essas mulheres”. E o pior… essas definições muitas vezes partem das próprias mulheres…
No início de fevereiro tive acesso a biópsia realizada e se não tivesse feito a cirurgia, pelo resultado da biópsia teria grandes chances de desenvolver um tumor e engrossar a enorme lista de casos de câncer do colo de útero no Brasil.
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Lia Mara Mayer é socióloga. Tem 39 anos, é casada e tem um filho. Faz mestrado em Ciências Sociais na UFPR.

Um comentário:

  1. Tirei o útero aos 22 anos, mas meu útero era infantil, ou seja, não poderia ter de qualquer jeito, ou se tivesse filho seria muito sofrido. Retirei, pois tinha suspeita de tumor, mas era só um mioma bem grande.
    Após cirurgia, passei pelo câncer de minha mãe e perdi meu pai. Logo após o falecimento dele descobri que estava com cistos nos ovários, aí fiz tratamento com anticoncepcional e três sumiram, mas um outro não, pois era hemático e proveniente de endometriose (mesmo sem útero), pois ela pode surgir em qualquer órgão. Aí vou passar por outra cirurgia, pois estou também com bastante aderência.

    Quando era menina meu sonho era ser mãe, mas depois que me formasse em direito e tivesse condições para ter filhos, até me preocupava em já está atrasada nos estudos de não conseguir ser mãe cedo.

    Detalhe: sempre gostei de crianças e aproveitava as outras ainda bem menina (fui mãe de brincadeira de meu irmão), pois quando ele chegou queria chamar atenção voltando a fazer arte, aí minha mãe disse que já era mocinha e fosse mãe dele.

    Um dia não sei o motivo, se era um sinal de Deus preparando meu coração, mas num sentada em um banco com meu ex namorado e vendo os sobrinhos dele correrem, de repente senti um aperto no coração e disse: "sabe aquela sensação que parece que nunca vou ser mãe" isso me invadiu o peito, nem sabia eu que 1 ano depois estaria passando por isso, mesmo sem saber de nada ainda, nem mesmo que tinha útero infantil.

    Depois minha mãe teve câncer meu pai também teve, aí ele ficou acamado e precisando de cuidados, como minha mãe já estava sem poder ajudá-lo, então fui MÃE do meu PAI, com muito orgulho por 2 anos sofridos, mas que viveria tudo de novo para curtí-lo.

    Eu não sei o que é ter um filho biologicamente falando, mas tudo que vivi com meu pai é como se ele fosse meu filho. Tudo que as mães dizem sentir quando tem um filho doente eu senti, e aquela dor de perda por não poder ser mãe biologicamente, dor de algo que não foi se diminui mesmo que de forma triste em meu pai. Cuidava dele o dia todo praticamente, pois alimentava por sonda, e etc. Até dormia junto, pois ficávamos em um quartinho, ele na caminha dele e eu na minha que puxava para ficar do ladinho dele.

    Quando ele partiu foi o momento mais lindo e mais triste da minha vida, mas que viveria tudo de novo.

    Hoje aprendi, pois fui a mãe dele e sei como é ser mãe. Senti vontade de estar ali no lugar dele inúmeras vezes e muitas coisas que as mães dizem sentir eu senti.

    Num momento mais lindo ainda, foi quando ele em um de seus momentos fora de sintonia (pois o tumor era no cérebro), falando também pouco, ele me chamou de :"mamãe", aí perguntei se estava vendo a mamãe dele que se foi, ou se era eu, me olhou com um olhinho mais lindo do mundo e disse: "mamãe".

    Divido aqui com vocês um pouco da minha história, mas durante isso namorei uma pessoa que sabia que não poderia ter filhos, mas que depois para terminar, ou já não querendo mais utilizou em um dos nossos últimos momentos a seguinte frase "fico com medo da questão do meu filho não poder ter mais irmão de sangue", ou seja, ficava me alfinetando pela questão do filho dele não poder ter mais irmãos (sofri mto),mas dois dias após o falecimento de meu pai tbm terminei o namoro, pois jamais iria admitir seja quem fosse me diminuir por isso e por muitos outros motivos, mesmo que tenha havido mais momentos maravilhosos, mas os ruins eram mais intensos e ofensivos.

    Fica aqui um pouco, mas tem muito mais que prefiro nem comentar sobre o assunto.

    Não deixe a sociedade e homem algum cobrar isso de vocês, até mesmo a família dele ficar mandando indireta que não é bom partido.

    Sejam felizes!

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