quinta-feira, 2 de junho de 2011

O SEGUNDO SEXO - Simone de Beauvoir - Doses Homeopáticas - Texto 8 e comentários

Por Thereza Ferraz - Psicologa.
 
É certo que as funções excretórias e particularmente as funções urinárias, interessam apaixonadamente as crianças: urinar na cama é muitas vezes um protesto contra a preferência demonstrada pelos pais por outro filho. Há países em que os homens urinam sentados e acontece que mulheres urinem de pé: fazem-no habitualmente muitas camponesas; mas, na sociedade ocidental contemporânea, querem geralmente os costumes que elas se agachem, ficando os homens de pé. Essa diferença é para a menina a diferenciação sexual mais impressionante. Para urinar, ela precisa agachar-se, despir-se e portanto esconder-se: é uma servidão vergonhosa e incomoda. A vergonha aumenta nos casos frequentes em que sofre emissão urinária involuntárias, nos casos de ataques de riso, por exemplo; o controle é menos seguro nela do que nos meninos. Nestes, a função urinária apresenta-se como um jogo livre que tem a atraçao de todos os jogos em que a liberdade se exerce; o pênis deixa-se manipular e através dele pode-se agir, o que constitui um dos interesses profundos da criança. Uma menina, vendo um menino urinar, declarou com admiração: "Como é cômodo!". O jato pode ser dirigido à vontade, a urina lançada longe: o menino aufere disso um sentimento de onipotência. Freud falou " da ambição ardente dos antigos diuréticos"; Stekel discutiu com bom senso a fórmula, mas é verdade, como diz Karen Horney, que " fantasias de onipotência, principalmente de caráter sádico, associam-se muitas vezes ao jato masculino de urina" ; esses fantasmas que sobrevivem em alguns homens são importantes na criança. Abraham fala do grande prazer " que as mulheres experimentam em regar o jardim com uma mangueira "; e creio, de acordo com as teorias de Sarte e Bachelard, que não é necessariamente assimilação da mangueira ao pênis que é fonte desse prazer; todo jato de água se apresenta como um milagre, um desafio à gravidade: dirigi-lo, governá-lo é obter uma pequena vitória sobre as leis naturais. Em todo caso, há nisso, para o menino, um divertimento quotidiano que não está ao alcance de suas irmãs. Ele permite, demais, principalmente no campo, estabelecer através do jato urinário múltiplas relações com as coisas: água, terra, espuma, neve etc. Há meninas que, para conhecer tais experiências, se deitam de costas e tentam fazer a urina " esguichar para cima", ou se exercitam em urinar em pé. Segundo Karen Horney, invejariam igualmente aos meninos a possibilidade de exibição que lhes é dada. E conta: " Uma doente exclamou subitamente, depois de ter visto na rua um homem urinando: Se pudesse pedir alguma coisa à Providência, seria poder urinar, uma única vez na vida, como um homem".  Parece às meninas que o menino, tendo direito de bulir no pênis, pode servir-se dele como de um brinquedo, ao passo que os órgãos femininos são tabus. Que esse conjunto de fatores torne desejável a muitas delas a posse de um sexo masculino, é um fato que bom número de inquéritos e de confidencias recolhidas por psiquiatras testemunham. Havelock Ellis, em O Ondinismo, sobretudo quando cita as palavras de uma paciente que designa pelo nome de Zênia: " O ruido de um jato de água sair de uma longa mangueira, sempre foi muito excitante para mim, lembrando-me o jato de urina observado durante minha infância em meu irmão e mesmo em outras pessoas". Outra paciente, Mme R.S., conta que, quando criança, gostava de segurar o pênis de um colega; um dia deram-lhe um tubo de regar: "Pareceu-me delicioso segurá-lo como se segurasse um pênis". Ela insiste no fato de que o pênis não tinha para ela nenhum sentido sexual; só sabia que servia para urinar.  - ( continua . . )
 Texto 8 - pag. 15 e 16
 
Comentário
 
Neste texto, Simone analisa a relação da menina com a percepção do pênis.
Todos os paragrafos assinalados são importantes para ressaltar o que a autora explica.
Por fim, salienta que a menina ao perceber e manipular o pênis não vê aí nenhum sentido sexual.
 
Thereza Ferraz - Psicologa.

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