domingo, 9 de agosto de 2009

Outras Opções em Planejamento Reprodutivo

Centro Latino Americano em Sexualidade e Direitos Humanos


Uma pesquisa, realizada pela socióloga Luzinete Simões Minella (UFSC) no estado de Santa Catarina e apresentada no Grupo de Trabalho “Saúde e Sociedade” do XIV Congresso Brasileiro de Sociologia, acontecido na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) na semana passada, revela que os contraceptivos mais utilizados, confirmando uma tendência nacional, continuam sendo a pílula e a laqueadura. No entanto, de acordo com o estudo, as mulheres conhecem mais métodos do que praticam, e o preservativo masculino, embora seja mais conhecido atualmente, tem sido pouco utilizado como método de dupla proteção.

A pesquisa multicêntrica, coordenada pelo SOS Corpo, com apoio do Ministério da Saúde e do Fundo de População das Nações Unidas (FNUAP), teve como objetivos analisar a trajetória contraceptiva e reprodutiva das usuárias do Sistema Único de Saúde (SUS) em cinco estados da federação, incluindo Santa Catarina – onde a cobertura do atendimento básico em saúde atinge 70% da população – e suas percepções sobre o acesso e a qualidade da atenção em planejamento reprodutivo. A metodologia incluiu a realização de 60 entrevistas com mulheres entre 18 e 49 anos, em três unidades de saúde, sendo duas na capital e uma no interior do estado, preferencialmente em área rural.

“As usuárias dessas unidades de saúde são mulheres de 26 a 35 anos, a grande maioria católicas, com baixos níveis de escolaridade e de renda familiar. Comparecem aos serviços regularmente, e acham que tais atendimentos são bons e que são bem atendidas. Não sabemos ao certo se elas classificam os serviços como bons simplesmente pelo fato de eles existirem. Talvez elas achem que pior seria se não existissem”, analisou a socióloga.

Em relação à resistência ao uso do preservativo, a pesquisadora elencou algumas das justificativas usadas pelas mulheres. “Elas afirmam que não o usam porque estão em uma relação afetiva estável ou em uma faixa etária avançada. Uma recomendação de nosso trabalho seria a inclusão dos homens nesses atendimentos”, avaliou Luzinete.

“Por sua vez, embora a esterilização e a pílula sejam os métodos predominantes, as mulheres conhecem o leque de opções que têm”, finalizou.

Anticoncepção de emergência em destaque no Congresso de Sociologia

O debate social sobre a anticoncepção de emergência (AE) no Brasil foi o tema da apresentação, no mesmo Congresso, da pesquisadora Elaine Reis Brandão (UFRJ), em co-autoria com Rozana A. Souza (UFRJ). “A pílula do dia seguinte ganhou, na última década, grande visibilidade, sendo utilizada pelas mulheres, normalmente adquirida em farmácias, sem acompanhamento ou prescrição médica, podendo assim trazer prejuízos à saúde das usuárias”, avaliou Elaine.

Além de sua difusão, sem o devido apoio dos serviços de saúde, exceto nos casos de violência sexual, ocorre na sociedade brasileira um grande debate na mídia sobre o método, aprovado desde 1996, e incluído na 3ª edição do Manual de Assistência ao Planejamento Familiar do Ministério da Saúde, e mais recentemente na Política Nacional de Saúde da Mulher do MS (2004). “Surgiu voltado para proteger a mulher vítima de violência sexual de uma possível gravidez. Hoje, o método é caracterizado como alternativo para uma relação sexual desprotegida. Como ele precisa ser utilizado até 72 horas após a relação sexual desprotegida, o tempo é um fator importante”, disse ela.

Assim como chegou com grande força às prateleiras das farmácias – onde é mais frequentemente adquirida – a pílula do dia seguinte tomou também as páginas de jornais e revistas nos últimos anos, alcançando maior visibilidade do que nos serviços públicos de saúde, onde um certo grau de desinformação – se o método é abortivo ou não – e o preconceito dos profissionais de saúde dificultam o seu acesso. A notoriedade na mídia foi alcançada através de casos como o das cidades de Jundiaí e São José dos Campos, onde leis municipais atribuíram ao medicamento caráter abortivo e sua distribuição chegou a ser suspensa.

A pesquisadora buscou identificar interlocutores do debate público, os argumentos arrolados, os conflitos ocorridos e os posicionamentos de gestores, médicos, religiosos, educadores, feministas, através da análise de dois jornais de grande circulação nacional: O Globo (RJ) e a Folha de São Paulo (SP), no período 2005-2008. Foram levantadas 28 matérias do diário carioca sobre o tema e 53 do paulista. “Discutem-se representações sociais que circulam na sociedade, formatando idéias, opiniões, julgamentos e posições morais sobre o tema”.

Além do caso de Jundiaí, o tema esteve na mídia em diversas outras situações: na ocasião da regulamentação pelo MS da distribuição da pílula do dia seguinte a todos os serviços públicos de saúde em 2005; na decisão do MS em ampliar o financiamento dos métodos contraceptivos em 100% (2005); em 2007, quando o ministro da Saúde, José Gomes Temporão, anunciou ser favorável ao uso do método pelas mulheres; quando o arcebispo de Olinda tentou vetar sua distribuição no Carnaval daquela cidade em 2008; e quando o prefeito do Rio de Janeiro, César Maia, recuou na distribuição da pílula do dia seguinte em função da pressão do arcebispo do Rio (2005); dentre outras.

Segundo a pesquisadora, além de ser caracterizado como método abortivo por determinados segmentos sociais, ao uso da pílula do dia seguinte também é atribuído o desregramento do sexo juvenil, ao estimular os adolescentes a não usarem o preservativo, colocando-os em risco perante à Aids e outras DSTs. “No entanto, estudos mostram que quem recorre ao método é quem mais usa o preservativo”, afirmou Elaine. O problema, segundo ela, é a influência de valores religiosos nas políticas públicas de saúde.

“È preciso enfrentar a ampliação do acesso à anticoncepção de emergência, registrado, por exemplo, pela PNDS 2006, como o 3º método mais usado entre as mulheres não unidas sexualmente ativas (23%); o 5º entre as mulheres unidas (11%) e o 3º método mais usado entre mulheres de 15 a 19 anos (10,4%). Tais percentuais indicam a difusão do método entre as mulheres, embora tal acesso não se dê pela via preferencial dos serviços públicos de saúde”, afirma Elaine.

Segundo ela, a difusão da informação deve ser cuidadosa e precisa cada vez mais reiterar a importância da AE como um direito a ser garantido pelos serviços de saúde, que precisam, por sua vez, encontrar uma forma de acolher as jovens e mulheres em suas demandas contraceptivas em situações de emergência.

Perspectiva masculina face ao aborto

Outro trabalho apresentado no GT Saúde e Sociedade do XIV Congresso Brasileiro de Sociologia colocou em foco as experiências masculinas frente aos eventos contraceptivos e/ou reprodutivos, sobretudo nos processos decisórios de interrupção da gravidez. “Pouco se discute sobre o processo de decisão que se dá em um casal”, avaliou a pesquisadora Cristiane Cabral (UERJ), que apresentou o paper “Uma análise sociológica acerca da perspectiva masculina face ao aborto”, em co-autoria com Maria Luíza Heilborn (UERJ) e Elaine Reis Brandão (UFRJ), e os dados advindos de uma pesquisa que investiga as articulações entre o exercício da heterossexualidade, contracepção e aborto em trajetórias sociais de homens e mulheres de diferentes gerações e camadas sociais, estudo realizado no Brasil, Colômbia e Argentina (pesquisa HEXCA).

O material empírico (30 entrevistas em profundidade com homens de dois grupos etários de camadas populares e médias) reúne narrativas sobre gravidezes imprevistas e abortamentos, às vezes com a mesma parceira, sem que a ocorrência do primeiro evento altere as práticas contraceptivas subseqüentes. “Silêncio, distanciamento e incertezas figuram nos depoimentos, caracterizando a posição masculina como coadjuvante nos processos de tomada de decisão protagonizados pelas parceiras”, relatou Cristiane.

Segundo ela, quando estão em relações duradouras mais estáveis, há uma maior participação masculina nesta negociação. E o fato de terem tido uma experiência de aborto não vai mudar o comportamento reprodutivo desses casais, especialmente os de camadas populares. “Tanto que há relatos de gravidezes subseqüentes. Um rapaz nos disse: ‘Continuamos, depois de dois abortos, a não usar camisinha e gozando dentro’”, relatou a pesquisadora. “Mesmo assim, eles revelam uma preocupação maior em relação às DSTs do que com a gravidez”.

Em relação aos métodos de proteção, os mais presentes em quase todas as entrevistas, segundo Cristiane, são o preservativo e o coito interrompido. “Passa-se à pílula, assim que a relação se estabiliza”, disse ela.

A pesquisadora falou ainda sobre a dificuldade da pesquisa de campo, de acesso aos homens cujas parceiras tenham realizado aborto. “Depois de um ano e meio ainda não conseguimos alcançar nossa meta”, afirmou.

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