domingo, 9 de agosto de 2009

O treinamento infantil


O treinamento infantil

“Ninguém nasce mulher: torna-se mulher” esta é a máxima de Simone de Beauvoir, e se encontra presente já na primeira frase do capitulo sobre a infância, do livro o Segundo sexo. E ela continua desmistificando a idéia de que homens e mulheres possuem naturezas distintas, ou seja, é a construção social (criação) dada as mulheres e aos homens quem determina o tipo de
comportamento de ambos:

“Nenhum destino biológico, psíquico, econômico define a forma que a fêmea humana assume no seio da sociedade; é o conjunto da civilização que elabora
esse produto intermediário entre o macho e o castrado que qualificam de feminino”.

Assim é possível compreender que as diferenças no tratamento dado as meninas e meninos, já em sua primeira infância é o responsável por grande parte da
psicologia comportamental dos sexos e do entendimento sexual das relações de poder. Pois quando ainda somos dadas como “jovens demais”, ao cairmos no chão e logo um adulto corre para nos socorrer. Limpar as marcas de terra em nossas pernas, puxar o vestido para os limites do joelho e, dependendo da “proteção”, nos colocar no colo para doces afagos. Assim, as mulheres
aprendem que lágrimas são sinônimos de atenção e carinho. Em dias de “festas infantis”, ou seja, exposição pública, usamos vestidos brancos e rosados cheios de babado e, como qualquer atitude de cavalheirismo (ação masculina de cuidado e proteção na frente de outras pessoas), o carinho aumenta, mesmo que a queda tenha sido menor. O que assusta a criança é verdadeiramente a
queda ou o modo abrupto que os adultos se movimentam em sua direção? Porém, quando estamos em casa sem estranhos observando, não há nada de cavalheirismo infantil, apenas a sutil recomendação (ordem) da autoridade pretensamente preocupada: “cuidado para não sujar o vestido”. Vestidos de festa são armaduras estrategicamente preparadas para que nossos movimentos sejam limitados. E assim representam a limitação da liberdade feminina, pois, em contra partida, os meninos usam shorts folgados. Seus joelhos ficam expostos para serem ralados pelas quedas da vida. Eles tem a permissão de correr de um lado para o outro. A medida que a idade aumenta, diminui-se a preocupação.
Nas festinhas eles acabam tendo que suar justas calças jeans, por ainda serem crianças frente a adultos, ou seja, devem permanecer com parte de seus movimentos limitados. Mas as meninas e os meninos, desde muito cedo, aprendem que não haverá mal algum se ele abaixar as calças e fizer um xixizinho em público, já que seu pênis ainda bonitinho de tão pequenino e inofensivo, diferente da “ameaçadora vagina infantil”.
Assim é que as coisas de macho começam, após mijarem em pé, os meninos puxam as calças e os cabelos das meninas, sem derrubarem “nossa tiara de princesa prometida”. E a menina poderá até reclamar de tal desvantagem para em troca receber a feliz proteção: “não bata na sua irmãzinha, Joãozinho, não esta vendo que ela é mais fraquinha?”.
Mas sobre os olhares de outros adultos, este exercício não pode ser constante, evitando a chatice da manha que é o escândalo de uma criança, outra frase pode surgir, dependendo da quantidade de pessoas ao redor ou se os adultos estiverem fazendo algo “serio e importante”: “xiiiiii, fica
quietinha meu amor, você está tão bonitinha, se chorar não vai parecer uma mocinha bem comportada”.
O reflexo desta diferenciação educacional entre as meninas e os meninos aparece no espelho do futuro, na espera por um protetor que nos ame e defenda dos perigos do mundo. É o Complexo de Cinderela que associa incapacidade nascida da super proteção uma falsa fragilidade das mulheres e, associa o amor, a uma proteção incondicional (tutela). É o mito da infância feliz que alimenta o monstro da dependência afetiva das mulheres e da rude incompreensão emocional masculina.

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Mirian Giannella
giannell@uol.com.br
Observatório da Clínica
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Blog Apoio às Vítimas
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