denise rangel é Profª de Literatura e Produtora de Rodas de Leitura; Feminista; Ecoconsciente; Sturm und drang!
Falar sobre trabalho doméstico é falar sobre poder. Poder sobre outra pessoa. Poder incondicional e, muitas vezes, humilhante. E, inevitavelmente, quando falamos de trabalho doméstico, falamos de mulheres.
Há cerca de um ano, em uma reunião só para meninas, conversávamos sobre o que as mulheres querem. Na ocasião, eu ainda não me declarara feminista, mas já trazia em mim todas as inquietações relacionadas à luta pelos direitos da mulher. Por isto, uma das “reivindicações” apresentadas me chamou a atenção: uma mulher desejar “ter uma excepcional empregada”, já que tal anseio traz embutido o jugo imposto a uma mulher, por outra mulher.
O fato de o contingente de empregados domésticos ser quase inteiramente composto de mulheres, mostra que as próprias mulheres, que sempre foram discriminadas por uma sociedade eminentemente machista, anseiam por ter uma empregada doméstica excepcional que lhe atenda todas as necessidades.
É fato também que muitas mulheres, profissionais de sucesso, só estão aptas e seguras para prosseguir em suas carreiras porque podem contar com os serviços de outra mulher em casa, e não é sobre isto que tratamos aqui. Estou a questionar o porquê de existirem pessoas (homens ou mulheres) que consideram um objeto de desejo ter alguém para servi-los incondicionalmente? Que fascínio há nesta relação em que alguém subordinado atende a todas as necessidades de outrem? Principalmente se considerarmos que o subjugado quase sempre é uma mulher.
Sabemos que o padrão de relações de gênero, socialmente difundido e ideologicamente dominante, é aquele em que a vida doméstica se concentra nas necessidades do homem – no qual a mulher serve e o homem provê, mesmo quando a mulher também seja provedora. Embora o contexto atual do trabalho doméstico seja permeado por uma disponibilidade de máquinas e serviços que permite um novo estilo de vida menos dependente de longas horas dedicadas aos afazeres domésticos, cuidar de uma casa continua sendo uma tarefa enfadonha e de que muitas mulheres querem se livrar, já que crianças e homens, em grande parte dos lares, podem optar por fazê-lo ou não.
Por mais natural que possa parecer para muitas pessoas, considero constrangedor que um ser, perfeitamente saudável, não seja capaz de sequer pegar um copo de água sem que este venha servido por uma empregada ou um empregado em uma bandeja. Necessidades tão elementares e pessoais, tão simples mas com grande poder de manter o outro subordinado a si.
Infelizmente, há até crianças, nas classes mais abastadas principalmente, em que a cultura de ser servido por uma pessoa de classe mais baixa (na maior parte dos casos, uma mulher) é reproduzida por comportamentos tais como, dar ordens às empregadas e empregados, e exigir que seus caprichos sejam inteiramente atendidos. Isto realmente me preocupa: uma geração de privilegiados treinados para viver como Aladins e suas “lâmpadas maravilhosas”, no caso, as empregadas.
Talvez se fosse um homem fazendo tal reivindicação não me espantaria tanto, já que seguem o padrão socialmente estabelecido, embora isto me deixe igualmente revoltada. Porém, acredito que, em uma sociedade em que as mulheres lutam por garantir seu espaço, por força dos movimentos feministas, é preciso repensar esta atitude que só corrobora o discurso de poder do mais abastado sobre o mais fraco, que, geralmente é uma mulher.
Quer uma excepcional empregada? | Blogueiras Feministas
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