terça-feira, 17 de julho de 2012

Gravidez Interrompida

Revista Nordeste Vinte e Um publicou em
4/7/2012
Nenhuma mulher deseja, mas uma em cada cinco brasileiras já fez. Algumas sob as condições mínimas de higiene oferecidas pelas clínicas clandestinas, mas que cobram preços exorbitantes. A maioria, do jeito que deu: preparos herbais ou introdução de materiais cortantes na vagina, saltos de escadas ou telhados, uso de chás ou remédios de procedência e indicação duvidosas são os meios dos quais se valem as mulheres pobres que decidem fazer aborto.

Segundo a nova edição da Norma Técnica de Atenção Humanizada ao Abortamento, publicada pelo Ministério da Saúde, em 2011, estima-se que mais de um milhão de abortos inseguros são realizados, por ano, no Brasil. Laís (nome fictício), empregada doméstica, é uma delas. “Foi uma infelicidade da vida”, comenta, enquanto explica como engravidou, mesmo usando preservativo, de um namorado que teve no curto tempo em que passou separada do marido.


“Quando eu soube que tava grávida, tava pra voltar com o meu marido. Ele não ia me querer com uma barriga de outro, meus pais iam me botar pra fora. Só minha irmã que soube”, conta. Ela tentou se desfazer da gravidez com um chá indicado por uma curandeira, mas não deu resultado. “Depois eu fui, com minha irmã, num lugar que tira criança a ferro. A ferro! É horrível”, lembra. 

A “operação” ilegal custou 500 reais. Para conseguir o dinheiro, Laís precisou trabalhar diariamente, por duas semanas, inclusive aos sábados e domingos. A intervenção resultou em uma infecção, seguida de uma internação com uma longa espera no atendimento e o descaso do médico, quando soube que o problema decorria de um abortamento. Mas a sequela mais dolorosa é o sentimento de culpa que carrega até hoje.


“Eu nem gosto de lembrar, me dá uma tristeza”, fala com o olhar no vazio e os lábios espremidos, para em seguida voltar ao relato agitado, como quem acorda de um pesadelo: “Não dava pra ser diferente, eu não ia conseguir ter a criança e depois dar. Como é que ia ser: grávida, sem marido, sem ter onde ficar? Emprego pra grávida também é mais difícil,” conclui.


Um entre tantos indesejados

O caso de Laís não é isolado. Contraceptivos estão sujeitos a falhas e isso não é novidade. Acredita-se que ocorram, no mundo, 26 milhões de gestações indesejadas por falha destes métodos. Mas a dificuldade de acesso, a escandalosa falta de conhecimento sobre a existência deles ou como usá-los, dão corpo ao imenso contingente de mulheres brasileiras que engravidam sem planejamento.


“Dizer que as pessoas têm acesso à informação não é verdade. Tem informação onde?”, questiona Rosângela Talib, membro da equipe de coordenação, no Brasil, da Rede Católica pelo Direito de Decidir. Rosângela, que também dá oficinas sobre o tema, tem circulado o País e relata uma inimaginável peregrinação pelo caminho do absurdo e da desinformação.

“Uma mulher recebeu anticonceptivo no posto, tomou, engordou e então deu aos filhos, porque achou que era uma ótima vitamina. Um casal de jovens namorados, iniciando a vida sexual, foi ao posto de saúde, recebeu o anticonceptivo oral, (popularmente conhecido como pílula), mas ela tomava um e o namorado tomava outro. As pessoas não conhecem o seu corpo, não sabem qual é a ação do anticonceptivo, elas não têm informação e a gente vê isso na prática”, diz Rosângela.

Ilegal, inseguro e abundante


O aborto clandestino afeta as mulheres de forma desigual. Situação econômica, localização geográfica, grau de escolaridade, raça e idade são variações que podem agravar as condições da forma como vem sendo feito. Além disso, a estrutura do sistema de saúde das diferentes regiões também gera diferenças nos índices de abortamentos e de mortalidade em decorrência da prática realizada na clandestinidade. O Dossiê do Aborto, lançado pela Ong Ipas – Brasil, em 2011, aponta que os números são maiores nas regiões Norte e Nordeste.

Segundo o estudo, o impacto da criminalização do aborto aflige principalmente as mulheres mais vulneráveis, que vivem nas regiões mais pobres do País. Os Estados das regiões Sudeste (exceto o Rio de Janeiro), Sul e Centro-Oeste (exceto o Distrito Federal) apresentam taxas inferiores a 20,4 abortamentos para cada grupo de 1000 mulheres de 10 a 49 anos. Nos Estados do Norte (menos Rondônia) e Nordeste (exceto Paraíba e Rio Grande do Norte) essas taxas são maiores que 21,1 abortamentos para cada grupo de 1000 mulheres de 10 a 49 anos e chegam a mais de 40 abortamentos por 1000 mulheres de 10 a 49 anos, no Acre e Amapá.

De acordo com a Norma Técnica do Ministério da Saúde, os abortamentos inseguros, no Brasil, resultam exatamente “das necessidades não satisfeitas de planejamento reprodutivo, envolvendo a falta de informação sobre anticoncepção, dificuldades de acesso aos métodos, falhas no seu uso, manuseio irregular ou inadequado, e ausência de acompanhamento pelos serviços de saúde”. Entre outras causas também aparecem: a questão financeira, o abandono do parceiro e a questão do momento, ou seja, quando elas não se sentem preparadas para a maternidade.

É exatamente a clandestinidade que leva o aborto a ser considerado um problema de saúde pública. Sem dinheiro ou assistência do Estado, mulheres buscam meios escusos para interromper a gravidez. Segundo a OMS (Organização Mundial da Saúde) o abortamento considerado ilegal, o clandestino, deve ser chamado de aborto inseguro. Pois é praticado sem condições sanitárias, em ambientes inadequados, ou em mãos não habilitadas para sua realização. No mundo, representam 13% das mortes maternas.

“Na América Latina esse número chega a 24% das mortes maternas e no Brasil é a 4ª ou 5ª causa de morte de gestantes. Hemorragias, infecção, lesões de órgãos internos, lacerações genitais, queimaduras e intoxicações graves ocorridos, podem levar à morte. Histerectomias, obstruções tubárias e esterilidade pós-abortos clandestinos são frequentes”, relata o médico Cristião Fernando Rosas, coordenador para os países do Cone Sul do Comitê de Direitos Sexuais e Reprodutivos da Federação Latino-americana de Sociedades de Obstetrícia e Ginecologia (Flasog).

Quem são essas mulheres?

Embora seja difícil chegar a estatísticas oficiais, o Ministério da Saúde afirma que o aborto é a 5a causa da mortalidade materna, mas esse dado é baseado apenas nas complicações decorrentes do aborto inseguro que chegam ao Sistema Único de Saúde (SUS). Hoje, sabe-se que somente metade das brasileiras que fizeram aborto na ilegalidade buscou o sistema público diante de complicações. Esse dado foi relatado pela Pesquisa Nacional do Aborto (PNA), publicada em 2010.

Conduzido pela Universidade de Brasília e pelo instituto de pesquisa Anis, o estudo faz uma estimativa do perfil e da quantidade de mulheres que já interromperam a gravidez de forma insegura, ao longo da vida. O resultado é um painel de mulheres católicas, casadas ou em união estável, usuárias de métodos contraceptivos, mães de pelo menos um filho. A pesquisa ainda nega a ideia de que o aborto seja feito apenas por adolescentes inconsequentes ou mulheres mais velhas e sem condição de levar a gravidez a termo.

Cerca de 60% fizeram o último, ou único aborto, no centro do período reprodutivo: entre 18 e 29 anos. “É muito importante analisar esse perfil, pois há um estigma das mulheres que interrompem a gravidez, uma ideia que diz que elas são inconsequentes, que se o aborto for descriminalizado, vai se tornar um método anticoncepcional. E não é verdade, as mulheres que abortam são como outras quaisquer, como tantas que conhecemos”, avalia a médica Maíra Fernandes, que também é presidente da Comissão de Bioética e Biodireito da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) do Rio de Janeiro.
Para ler a matéria completa, acesse o link Gravidez Interrompida.

CCR | Comissão de Cidadania e Reprodução

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