Tudo tem limites, também a tolerância, pois nem tudo vale neste mundo. Os profetas de ontem e de hoje sacrificaram suas vidas porque ergueram sua voz e tiveram a coragem de dizer: "Não te é permitido fazer o que fazes...". Há situações em que a tolerância significa cumplicidade com o crime, omissão culposa, insensibildade ética ou comodismo.
Não devemos ter tolerância com aqueles que têm poder de erradicar a vida humana do Planeta e de destruir grande parte da biosfera. Há que submetê-los a controles severos.
Não devemos ser tolerantes com aqueles que assassinam inocentes, abusam sexualmente de crianças, traficam órgãos humanos. Cabe aplicar-lhes duramente às leis.
Não devemos ser tolerantes com aqueles que escravizam menores para produzir mais barato e lucrar no mercado mundial. Aplicar contra eles a legislação mundial.
Não devemos ser tolerantes com terroristas que em nome de sua religião ou projeto político cometem crimes e matanças. Prendê-los e levá-los às barras dos tribunais.
Não devemos ser tolerantes com aqueles que falsificam remédios que levam pessoas à morte ou instauram políticas de corrupção que delapidam os bens públicos. Contra estes devemos ser especialmente duros, pois ferem o bem comum.
Não devemos ser tolerantes com as máfias das armas, das drogas e da prostituição que incluem seqüestros, torturas e eliminação física de pessoas. Há punições claras.
Não devemos ser tolerantes com práticas que, em nome da cultura, cortam as mãos dos ladrões e submetem mulheres a mutilações genitais. Contra isso valem os direitos humanos.
Nestes níveis não há que ser tolerante, mas decididamente firme, rigoroso e severo. Isso é virtude da justiça e não vício da intolerância. Se não formos assim, não teremos princípios e seremos cúmplices com o mal.
A tolerância sem limites liquida com a tolerância, assim como a liberdade sem limites conduz à tirania do mais forte. Tanto a liberdade quanto a tolerância precisam, portanto, da proteção da lei. Senão, assistiremos a ditadura de uma única visão de mundo que nega todas as outras. O resultado é raiva e vontade de vingança, fermento do terrorismo.
Onde estão então os limites da tolerância? No sofrimento, nos direitos humanos e nos direitos da natureza. Lá onde pessoas são desumanizadas, aí termina a tolerância. Ninguém tem o direito de impor sofrimento injusto ao outro.
Os direitos ganharam sua expressão na Carta dos Direitos Humanos da ONU, assinada por todos os países. Todas as tradições devem se confrontar com aqueles preceitos. Se práticas implicarem violação daqueles enunciados, não podem se justificar. A Carta da Terra zela pelos direitos da natureza. Quem os violar perde legitimidade.
Por fim, é possível ser tolerante com os intolerantes? A história comprovou que combater a intolerância com outra intolerância leva à aspiral da intolerância. A atitude pragmática busca estabelecer limites. Se a intolerância implicar crime e prejuízo manifesto a outros, vale o rigor da lei e a intolerância deve ser enquadrada. Fora deste constrangimento legal, vale a liberdade.
Deve-se confrontar o intolerante com a realidade que todos compartilham como espaço vital. Deve-se levá-lo ao diálogo incansável e fazê-lo perceber as contradições de sua posição.
O melhor caminho é a democracia sem fim, que se propõe incluir a todos e a respeitar um pacto social comum.
Leonardo Boff
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