quarta-feira, 28 de agosto de 2013

Lésbicas: invisibilidades e violências

Texto de Ticiane Figueirêdo.- em Blogueiras feministas 
1° Semana de Blogagem Coletiva pela Visibilidade Lésbica e Bissexual, organizada pelo site True Love.
1° Semana de Blogagem Coletiva pela Visibilidade Lésbica e Bissexual, organizada pelo site True Love.
No dia 29 de agosto de 1999, pela primeira vez no país, as mulheres lésbicas se reuniram no I Seminário Nacional de Lésbicas (Senale), realizado no Rio de Janeiro. Como resultado simbólico desta reunião, surgiu a sigla LGBT (acrescida então do L, de lésbicas). E, ainda como referência à conquista desta então visibilidade dentro do próprio movimento que tem como bandeira a diversidade sexual, foi instituído o dia 29 de agosto como o Dia da Visibilidade Lésbica.
Infelizmente, 14 anos depois, as lésbicas ainda não são enxergadas dentro da nossa sociedade.
Falar de visibilidade lésbica, ao meu ver, não é só falar que elas existem. É afirmar que elas existem e que são detentoras de direitos, os quais devem ser respeitados e protegidos. É respeitar a sua orientação sexual, seu corpo, seu espaço, sua voz. Visibilidade lésbica, para mim, tem que ser algo por inteiro, caso contrário, não estaremos falando de visibilidade.
A invisibilidade lésbica no discurso heteronormativo

No aniversário da Lei Maria da Penha, levantei a questão do discurso privilegiado das mulheres cisgêneras e heterossexuais, quando estas abordam a Lei 11.340/06, no texto: Lésbicas e trans* também são vítimas de violência doméstica. Porém, infelizmente não é só sob aquela circunstância que as lésbicas — cis e trans*, são invisíveis. Isto porque, quando falamos de sexo, de métodos de prevenção de doenças sexualmente transmissíveis, discriminação sexual no trabalho, dentre tantos outros temas que sempre estão presentes nas pautas feministas, a sororidade entre nós parece ser limitada e excludente.
Acho importante ter consciência de que nosso discurso pode ser opressor se, por conta dele, grupos de pessoas se sintam marginalizadas. Não falar da questão lésbica dentro das pautas feministas é apaga-las da história, assim como nós, mulheres no geral, fomos apagadas da história predominantemente “feita” e contada pelos homens. Olympe de Gouges que o diga.
A invisibilidade da orientação sexual lésbica
Sexo, orientação sexual e a própria sexualidade em si ainda são tabus em nossa sociedade, isto quando não são alvos de intolerância e violência como é o caso da lesbofobia, transfobia, homofobia, etc.
A invisibilidade da orientação sexual lésbica é algo que acho grave e que pode surgir da forma mais “sutil” naquele conhecido questionamento: “Mas você nunca sentiu desejo por um homem?”, no qual o interlocutor não a enxerga como uma lésbica e sim como uma mulher bissexual, no máximo. Que não vê a possibilidade de que a sua orientação sexual lésbica exista ou que no fundo, não respeita ou se importa com isso.
Não respeita porque em sua visão heteronormativa, por você ser mulher, em algum momento da sua vida vai se atrair por um homem. E, em consequência disso, é fácil perceber que em muitos casos, a sexualidade lésbica ganha “visibilidade” somente quando se faz presente em um filme pornô produzido para deleite de homens heterossexuais. O que, por sua vez, representa a predominância do machismo e do patriarcado sobre as nossas vidas e nossa sexualidade, visto que só nos “liberta” para saciar os anseios e desejos sexuais masculinos.
Ainda com relação à invisibilidade da orientação sexual lésbica, podemos verificar a questão da patologização desta conduta pela sociedade moralista e a transformação da sexualidade lésbica em pecado bíblico. Com relação à primeira questão, ainda que a Organização Mundial de Saúde – OMS já tenha se posicionado contra este entendimento, nada impediu que recentemente a ideia equivocada da “cura gay” tenha retornado aos holofotes da mídia, ainda mais porque ressurgiu dentro da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados — que ao menos por zelo ao nome, deveria ser o último lugar a endossar tal atrocidade.
A questão da sexualidade lésbica como pecado é mais perigosa, porque tende a ganhar um poder de alienação maior, tendo em vista que tal entendimento advém de uma entidade cósmica de existência duvidosa — ou ao menos incomprovável — que detém, segundo ela mesma, o conhecimento supremo e irrefutável sobre a vida humana e mantém seu poder através de dogmas, que caso não sejam seguidos consistirão em castigos fervorosos aos seus pecadores.
"Você é bonita demais para ser lésbica". Foto de Grace Brown, parte do 'Projeto Unbreakable', no qual sobreviventes de abusos sexuais são fotografadas segurando uma frase do violentador.
“Você é bonita demais para ser lésbica”. Foto de Grace Brown, parte do ‘Projeto Unbreakable’, no qual sobreviventes de abusos sexuais são fotografadas segurando uma frase do violentador.
Estupro corretivo
“Você é bonita demais pra ser lésbica.”
De todas as formas de apagar a identidade lésbica, o “estupro corretivo” se mostra mais odioso, porque consiste em uma prática criminosa na qual o agressor acredita que poderá mudar a orientação sexual da lésbica através da violência sexual. Isto porque, para eles, ao praticarem tal ato, elas vão“aprender a gostar de homem”. O que não poderia ser mais desprezível e desumano.
O “estupro corretivo” é um discurso do ódio, é a exteriorização da cultura do estupro voltada para as mulheres lésbicas. Segundo a Liga Brasileira de Lésbicas, estima-se que cerca de 6% das vítimas de estupro que procuraram o Disque 100 do governo federal, durante o ano de 2012, eram mulheres lésbicas. E, dentro desta estatística, havia um percentual considerável de denúncias de estupro corretivo.
De acordo com a coordenadora da Liga Brasileira de Lésbicas (LBL), Roselaine Dias, que representa a entidade no Conselho LGBT, os dados não especificam a prática de estupro homofóbico. “São 6% de violação de mulheres lésbicas. Parte deste índice é de estupro corretivo, porque temos como referência outros dados do Ministério da Saúde que nos permitem fazer um comparativo percentual coincidente”, explica. Segundo ela, a fonte reveladora da realidade de estupros corretivos é o serviço de HIV/Aids. “Temos um quadro que aponta que muitas mulheres portadoras do HIV contraem o vírus em decorrência de estupros com esta motivação”, diz.
A violência é usada, explica, como um castigo pela negação da mulher à masculinidade do homem. Uma espécie doentia de ‘cura’ por meio do ato sexual à força. A característica deste tipo de prática é a pregação do agressor ao violentar a vítima. As vítimas são em sua maioria jovens entre 16 e 23 anos, lésbicas ou bissexuais. Alguns agressores chegam a incitar a “penetração corretiva” em grupos das redes sociais e sites na internet. Referência: ‘Estupro corretivo’ vitimiza lésbicas e desafia poder público no Brasil.
Diante de todos esses fatores, o Dia da Visibilidade Lésbica não é apenas uma data, é uma representação de uma luta diária e muitas vezes invisível. Por isso, mais do que falar sobre visibilidade lésbica, precisamos dar visibilidade às lésbicas.

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