quarta-feira, 31 de março de 2010

"Os 50 anos da pílula anticoncepcional"

Odair Albano - Médico e Administrador em Saúde -Ex Secretário de Saúde de Campinas - Março 2010
"As mulheres não estão inteiramente erradas quando rejeitam as regras de vida determinadas para o mundo, uma vez que foram estabelecidas apenas pelos homens, sem seu consentimento" Michel Eyquem Montaigne,1588
Neste oito de Março é celebrado em todo o mundo o Dia Internacional da Mulher. A data é uma homenagem a todas as mulheres, em especial, àquelas que nos vários momentos da história da humanidade lutaram pelos seus direitos. A comemoração, como símbolo de luta e de conquistas, faz parte de um passado histórico de organização das mulheres, que permitiu a elas que lutassem por igualdade e autonomia e participassem ativamente das transformações que ocorreram na sociedade.

Dentre os acontecimentos que marcaram esta revolução, um deles foi fundamental para a liberdade da mulher, o lançamento da pílula anticoncepcional. Descoberta que propiciou mudanças na postura das mulheres, com forte impacto nas relações e comportamento das pessoas, mas que também provocou grandes debates e polêmicas, no âmbito científico, social, religioso, moral e ético.

A primeira pílula foi produzida e lançada nos EUA em 1960, a segunda, de origem alemã, no ano seguinte, na Europa e Austrália. E continua sendo, até hoje, a primeira opção entre os métodos anticoncepcionais, em quase todo mundo. No Brasil, ela surgiu em 1962, sendo utilizada atualmente por 23% das mulheres em idade reprodutiva.
Historicamente, na época do lançamento, havia entre os americanos um clima de euforia, pela retomada do crescimento econômico. Surgia uma geração, de jovens, dispostos a se rebelar contra os valores, de uma sociedade que consideravam moralista e conservadora. Tinham muitos ídolos, surgidos nos anos cinqüenta, entre eles, James Dean no cinema e Little Richard e Elvis Presley no “rock and roll”, que difundiram com as suas atitudes, um novo modelo de comportamento.
Surgida neste contexto, a pílula foi criticada por setores da sociedade, porque permitia mudanças no comportamento sexual, dando controle e maior liberdade às mulheres, alterando o quadro social e o processo natural de reprodução. A sua utilização acabou provocando avanços nos direitos reprodutivos e sexuais, ampliando as possibilidades de um planejamento familiar. Permitindo ainda, maior flexibilização dos valores morais, e sem os impedimentos da gravidez, o ingresso da mulher no mercado de trabalho.
Na aprovação pelo FDA (EUA), em 23 de junho de 1960, a pílula recebeu críticas da comunidade científica, temerosa da exposição das mulheres a riscos, pela falta de avaliação da sua segurança. Mas significou o final de uma longa trajetória com muitos obstáculos, iniciada pelo fisiologista austríaco Ludwig Haberland, que em 1922 já demonstrava a possibilidade de “esterilização hormonal temporária” em animais férteis. Sendo identificado, posteriormente, a progesterona, como responsável pela ação. Sua morte precoce em 1932 retardou em pelo menos 20 anos, o desenvolvimento da pílula.
Em 1939, Russell Marker, químico da Penn State University, começou a pesquisar uma raiz usada pelos índios mexicanos conhecida como “yam” ou “cabeza de negro”, para extração da progesterona. Com o desinteresse americano pela pesquisa, ele montou um pequeno laboratório farmacêutico no México, para produção. Após alguns anos, desiludido, abandonou a atividade.

Dez anos depois, o químico Carl Djerassi, retomou as pesquisas, que permitiram em 1951 a síntese de uma progesterona indicada para distúrbios menstruais, mas que não tinha sido testada como contraceptivo em humanos. Pesquisas que só ocorreram pela intervenção de Margaret Sanger, defensora do controle da natalidade, fundadora em 1916 da primeira clínica de planejamento familiar dos EUA e de Katharine McCormick, filantropa, que obteve recursos financeiros.

Que permitiram em 1953 que Gregory Pincus, bioquímico da Worcester Foundation for Experimental Biology, e John Rock, ginecologista da Harvard Medical School, iniciassem as pesquisas para avaliar a possibilidade de lançamento de um comprimido, que impedisse a gravidez. Que foram realizadas em Porto Rico, devido à descrença de alguns, a resistência de muitos e as restrições legais americanas. Mas que confirmaram os estudos anteriores e o conceito, de que a progesterona teria ação inibidora da ovulação e que combinada aos estrogênios manteria o ciclo menstrual regular.
Poucos medicamentos foram tão investigados e por tanto tempo, como a pílula. Com a descoberta de novos hormônios, foram lançadas pílulas com baixíssimas dosagens, com redução de 10 x nos estrogênios e 164 x nos progestogênios em relação à primeira pílula, que mantêm a eficácia, com menos efeitos adversos e riscos à saúde.
Hoje, utiliza-se na forma combinada ou só com progesterona. Em comprimidos por via oral ou vaginal. E por outras formas e vias de administração: injetáveis, adesivos, anéis vaginais, implantes subcutâneos, dispositivos intra-uterinos com hormônio, além da “pílula emergencial” indicada após relação sexual desprotegida.
Quanto ao futuro da pílula, existe uma tendência mundial, que indica o interesse das mulheres em utilizar produtos com ação prolongada. Que produzam a suspensão ou redução do fluxo, que permitam uma maior comodidade no uso, se possível, abolindo a necessidade de ingestão diária de comprimidos. E que principalmente, promova a redução dos sintomas de diversas doenças, que estão relacionadas à menstruação.

Pílula do dia seguinte não provoca aborto

Anticoncepcional: há 50 anos no mundo, conheça os marcos na história dos anticoncepcionais no mundo e no Brasil. 
Ela chegou ao Brasil bem depois do anticoncepcional comum: data de julho de 1999 a aprovação do primeiro medicamento para contracepção de emergência, a popular pílula do dia seguinte. Mas, mesmo antes disso, a ideia de evitar a gestação depois da ocorrência da relação sexual já era praticada quando as mulheres tomavam várias pílulas regulares de uma vez, o que provocava fortes efeitos colaterais, como náuseas e vômitos.
Esse tipo de pílula, composto só de uma substância similar à progesterona e apresentado na forma de um ou dois comprimidos, tem vários mecanismos de ação: o principal deles é impedir o processo de ovulação quando ele ainda não ocorreu. O remédio pode, também, atrasar a chegada do óvulo, tornando seu transporte nas trompas mais lento, entre outras coisas.
Apesar da polêmica que envolve seu uso, o ginecologista Luciano Melo Pompei, membro da diretoria da Febrasgo (Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia), garante que ela não é abortiva. "Não basta haver fecundação para que ocorra a gravidez. No meio científico, só consideramos que há gestação a partir do momento em que existe a nidação [quando o embrião adere ao útero]. Essas pílulas agem antes da nidação e jamais provocam a perda do embrião se ele já tiver aderido."
O médico lembra que elas só devem ser utilizadas em situações de emergência, e não indiscriminadamente. "Além de sua eficácia não ser a mesma da pílula comum, pode levar a irregularidades menstruais."
Quanto antes ela for tomada, melhor é o seu efeito -a recomendação dos médicos é que seja ingerida até 72 horas depois da relação sexual.
Anticoncepcional: há 50 anos no mundo
Vendida com o nome de Enovid, era composta por 150 mg de estrogênio sintético e 9,85 mg de derivado de progesterona - sete a dez vez mais hormônios do que a pílula atual.
"A invenção da pílula revolucionou a sexualidade feminina e abriu caminho para o movimento de libertação da mulher. Permite [às mulheres] planejar o número de filhos e o momento apropriado para tê-los", afirma Ângela Maggio da Fonseca, professora de ginecologia da USP e uma das autoras de "História da Anticoncepção" (ed. Casa Leitura Médica).
Para a psiquiatra Carmita Abdo, coordenadora do Programa de Estudos em Sexualidade do Instituto de Psiquiatria da USP, a pílula permitiu que mudanças que já vinham se desenhando desde o fim da 2ª Guerra Mundial se consolidassem.
Além de dar às mulheres autonomia para controlar a concepção, sua alta eficácia fez com que fosse rapidamente adotada em vários países. Em 1962, já era vendida no Brasil.
Mas havia um ônus: a alta taxa de hormônios da primeira pílula trazia uma cascata de efeitos colaterais. "A aprovação foi baseada em um estudo que foi duramente criticado por erros metodológicos", conta Fonseca. De transtornos de humor a casos de tromboembolismo, seus efeitos eram munição para os opositores -nem sempre por motivos médicos.
As empresas começaram, então, a pesquisar fórmulas mais seguras. Na década de 1970, surgiu a segunda geração de pílulas, com menos hormônios sem perda da eficácia.
Na década de 1990, a terceira geração de pílulas chegou ao mercado. Além de evitarem a gravidez, elas oferecem benefícios extras, como aliviar sintomas de TPM ou acne.
"Hoje, podemos indicar a pílula mais adequada às condições de saúde de cada mulher", afirma Edmund Baracat, professor de ginecologia da USP.
A década passada também viu renascer a polêmica sobre o método, com o advento da pílula do dia seguinte. Desenvolvida para ser tomada após o ato sexual, é acusada de ser abortiva -embora as entidades médicas neguem.
O debate deve continuar quente no século 21, com a introdução, na Europa, de uma pílula que pode ser tomada até cinco dias após o ato sexual.
Quanto às pílulas de uso diário, a novidade é o desenvolvimento de um novo tipo de estrógeno, quase idêntico ao produzido pelo corpo. Nos últimos 50 anos, embora novos derivados de progesterona tenham sido criados, o componente estrogênico não mudou.
"Ainda não há estudos suficientes sobre essa nova pílula [vendida só na Europa], mas usar uma substância quase idêntica aos hormônios naturais pode diminuir problemas como o risco de trombose", diz Carlos Alberto Petta, professor de ginecologia da Unicamp.
A EVOLUÇÃO DA PÍLULAMarcos na história dos anticoncepcionais no mundo e no Brasil
1960
Os EUA aprovam a primeira pílula anticoncepcional, chamada Enovid, composta por estrógeno e progesterona
1962
Enovid começa a ser comercializada no Brasil
1965
Estudos mostram que pílulas de derivados de progesterona, sem estrógenos, podem evitar a gravidez, sem interferir na ovulação e com menor risco vascular
1967É revogada, na França, uma lei de 1920 que proibia o uso de anticoncepcionais no país
1969
A minipílula, composta apenas por derivados de progesterona, começa a ser produzida
1970
O Ministério da Saúde determina que pílulas anticoncepcionais só serão vendidas no Brasil com retenção da receita médica
1974
Aperfeiçoamento das pílulas permite reduzir quantidade de hormônios utilizados
1975
EUA aprovam a pílula do dia seguinte para casos excepcionais, como estupro, e com indicação médica
1977
Estimativas dos fabricantes apontam que 3,5 milhões de brasileiras usam regularmente a pílula
1978
Governo brasileiro inicia programa de saúde materno-infantil, que prevê a distribuição gratuita de pílulas
1999
A primeira pílula do dia seguinte recebe o registro da Anvisa, com o nome comercial de Postinor
2007
Os seis primeiros anticoncepcionais genéricos recebem o registro da Anvisa
2010
Estudo mostra que novo princípio ativo para pílula do dia seguinte é mais eficaz e pode evitar gravidez em até cinco dias após a relação sexual


Fonte: Folha de S. Paulo
Edição: F.C.
11.03.2010

 

"Quem fala por você, mulher?"

Viviane Moreira - publicado originalmente no Blog Amálgama em 07/03/2010
http://www.amalgama.blog.br/03/2010/quem-fala-por-voce-mulher/

O cinema brasileiro volta e meia nos conta histórias de mulheres e crianças sacrificadas pela pobreza e invisibilidade. O homem vai embora e a subsistência da família recai sobre os ombros da mulher. A angústia da incapacidade de prover toda a família pesa e corrói a alma. A leveza se acanha com os rastros do abandono. A arte nos aproxima do enredo de vidas confinadas na pobreza.
Numa sociedade em que o laço social fragiliza-se cada vez mais com a ausência da função paterna, as brasileiras se equilibram nas funções de mãe, filha e trabalhadora em tempo integral: em casa e fora dela. Muitas conseguem embelezar a vida com arte, livros, filmes, saberes, amores. E outras tantas, milhares, milhões, penam diariamente com a falta do feijão com arroz à mesa.
Vi no blog do jurista José Adércio uma notícia assustadora: a existência de projetos de lei (PL-3207/2008 e PL-5058/2005) que visam transformar o aborto provocado em crime hediondo! Um calafrio de pavor percorreu meu corpo e me dei conta de como fui tola quando julguei que não passaríamos de “cachorras”. Pensei: quem são as “assassinas”? As bandidas, bárbaras, Joanas, Marias?
Mulheres em um estado democrático que não efetiva seus direitos. Não cuidamos da saúde integral da mulher, não asseguramos o exercício do direito ao planejamento familiar, não priorizamos políticas de assistência e apoio às famílias – creches, pré-escolas, escolas em tempo integral. Nossas instituições falham na proteção ao menor, na educação e cultura, e a moradia permanece um direito abstrato.

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